Não quero falar de Assunção Cristas enquanto ex-presidente do CDS ou deputada, porque ela falou melhor de si e por si. Também não quero falar da Assunção Cristas, ex -ministra, porque não me sobram competências para tal. Quero falar de uma mulher que admiro e inaugurou este fim de semana um novo estilo político: o de assumir o que correu mal, ou menos bem, sob a sua liderança e sair com pinta, sem bater a porta, sem estrondo nem acusações.

Assunção é um nome próprio, mas também é um conceito e, quem sabe, um destino. Sinónimo do ato de assumir, assunção também significa elevação e promoção. Foi essa a marca que Assunção Cristas deixou neste congresso ao assumir a sua falha. Fê-lo com elevação e dignidade, promovendo a verdade e a credibilidade dos políticos. Todos sabemos que não falhou em toda a linha, mas errou na avaliação da linha de ação que poderia ter conduzido o partido a outro patamar e isso bastou para ter que se retirar.

Assim como ninguém consegue nada sozinho, ninguém falha sozinho e também nisso Assunção teve coragem. Assumiu que falhou, mas fez questão de lembrar que não esteve sozinha nas decisões estratégicas do partido. Entrou, falou e saiu. Não ficou a conspirar, não se deteve nos corredores, não dividiu ninguém nem contou com gestos de gratidão. Houve naturalmente quem viesse elogiar o seu trabalho e o seu mérito, quem sublinhasse a sua capacidade de trabalho e de entrega, mas ela já não estava lá para ouvir.

Poucos são os políticos capazes de admitir publicamente, com a mesma frontalidade e coragem, insisto, que saem de cena porque não chegaram aos resultados. Sinceramente não me lembro de ouvir discursos tão claros e incisivos aos que tendo sido eleitos e aclamados grandes vencedores, saem com o rótulo de perdedores. Assunção saiu vencida, mas não abatida porque sabe muito bem que tudo é efémero e, como ela própria disse, em política ninguém pode esperar reconhecimento.

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Tenho admiração pessoal por Assunção Cristas por ser uma mulher vertical, com convicções e valores. Uma mulher que luta por aquilo em que acredita, que se entrega a causas e assume a política com espírito de missão. Sempre a vi como uma mulher coerente e consequente. Séria, lúcida e competente, deixa uma marca de retidão e integridade. Pode não ter conseguido levar o seu partido aos melhores resultados em eleições decisivas para o CDS, mas não pode ser acusada de leviandade ou populismo.

Nas últimas legislativas, em que os 51,4% de abstenção revelaram um dramático desinteresse dos eleitores (ou, numa perspetiva igualmente realista, foram um protesto inequívoco relativamente às políticas dos políticos), vi acontecer coisas extraordinárias, algumas potenciadas pelo ‘efeito Assunção’. Na pequena fila que se formou na sala onde fui votar, um grupo de senhoras mais velhas que decidiu prescindir da prioridade que lhes foi dada pelos presentes, competia entre si na descrição das suas doenças, cada uma com mais detalhes que as outras. Quando a primeira avançou para a mesa de voto, uma das que ficou na fila disse em voz baixa, mas com muita vontade de que todos ouvíssemos:

– Eu hoje só me levantei da cama para vir votar na Assunção Cristas!

Estava de bengala e deslocava-se com dificuldade. As outras, porventura libertas da regra do silêncio sobre quem vota em quem, que devia imperar no espaço circundante ao das urnas, responderam individualmente, mas pareciam um coro:

– Eu também!

Uma delas ainda acrescentou:

– Enquanto a Cristas estiver na política, voto nela!

Na altura o coro fez-me sorrir pela espontaneidade e pela completa subversão das regras. Estas mulheres não eram ‘tias’ chiques nem tinham tiques de classe. Eram pessoas simples que partilhavam entre si as suas dores e padecimentos com a mesma ausência de filtro com que declaravam publicamente a sua orientação de voto.

Não me voltei a lembrar delas, confesso. Até ao momento em que Assunção anunciou a sua saída. Foi aí que estas mulheres voltaram à minha memória, pois imagino que devem ter ficado desoladas com este desfecho. Quem sabe, até um pouco órfãs.

Digam o que disserem agora, Assunção Cristas sempre foi uma política transparente, íntegra e humanista. E também feminina, num tempo em que demasiadas mulheres ainda acham que têm que masculinizar a sua ação ou engrossar a sua voz para se fazerem ouvir. Interiormente livre e focada nos seus valores, Assunção Cristas assumiu sempre o seu lado de mulher de família, mãe de quatro filhos e mulher do seu marido. Ficou grávida quando era super- ministra, parou quando teve que parar e retomou o trabalho quando era para retomar.

Elegante, mas não fútil, cultivou numa imagem de autenticidade e nunca procurou o frágil reconhecimento que vem do vedetismo ou das atitudes provocadoras. Era quem era, sem poses nem máscaras. E isso revela confiança e transmite segurança, mas também gera incompreensões e algumas invejas, pois há sempre quem prefira a previsibilidade dos comportamentos padronizados ou até estereotipados.

Assunção Cristas teve uma atitude original na política nacional. O reverso desta singularidade foi uma via por vezes mais difícil, um caminho também percorrido em solidão e incompreensão. Fez o que achava que estava certo e o que lhe parecia mais justo, tenho a certeza. E lutou. Ganhou e perdeu, mas lutou.

Agora, que assumiu que era hora de sair de cena, fica a certeza de ter estado ao serviço do país sem nunca se servir da política.