O meu pai não era diferente de muitos outros pais. Falo de milhares, milhões de homens que existem desde que o mundo é mundo e dão o seu melhor, mas também o melhor de si, para que os filhos cresçam saudáveis, equilibrados, livres, responsáveis, atentos às realidades à sua volta, sensíveis às desigualdades e capazes de se realizarem, acrescentando valor nas comunidades em que se inserem.

Neste sentido, o meu pai era igual a milhares de milhões e, também por isso, me interessou sempre mais esta forma de genealogia do que aquela outra, cuja ciência é frequentemente posta ao serviço da vaidade humana.

Escrevo sempre de frente para uma fotografia do meu pai, que tenho pousada na secretária. Aliás, são duas fotografias. Uma sequência feliz do último Natal que passámos juntos. Morreu 2 meses depois. Embora tenha todos os dias na minha frente esta dupla memória, a imagem tornou-se mais viva hoje porque sinto que escrevo como se conversasse com o meu pai.

Hoje despeço-me da escrita das crónicas no Observador. Não sei se será um adeus definitivo ou uma despedida por alguns tempos, apenas sei que ética e deontologicamente é imperativo suspender a minha escrita num jornal a partir do momento em que aceitei integrar a equipa com que Carlos Moedas concorre à Câmara Municipal de Lisboa.

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Deixei de publicar crónicas há várias semanas, já no auge do meu discernimento sobre o desafio que me foi feito, mas agora que as listas são do conhecimento geral, tinha que me despedir formalmente.

Tinha, para a política, uma resposta sempre pronta a dar e o ‘não’ era garantido. Mantive-me fiel a este ‘não’ durante décadas, apesar de sucessivos convites de diferentes partidos, mas abri uma exceção em 2009 ao recém-criado Movimento Esperança Portugal (MEP). Identifiquei-me com os valores humanistas deste movimento de cidadania e aceitei ser candidata independente ao Parlamento Europeu, como cabeça de lista.

Fomos a 6ª força política mais votada nessas eleições, com 55 mil votos de confiança de cidadãos que acreditavam que o MEP podia fazer a diferença em matéria de justiça social, inclusão e coesão, num tempo de crise muito marcado por graves desigualdades e dramáticas assimetrias. Ideologicamente, o Movimento Esperança Portugal era um projeto de matriz humanista, que tinha “na pessoa humana o princípio, o centro e o fim de tudo”, como escreveu Rui Marques, o seu fundador.

Cativou-me, na altura, esta linha ideológica e também a aposta numa nova geração de políticos que tinham construído os seus percursos pessoais e as suas carreiras profissionais sem dependerem da política e, também por isso, recusavam o conflito estéril, o antagonismo por princípio constante, a agressividade e a desconstrução permanentes.

Sou adepta da política entendida como serviço ao bem comum, como meio para permitir a realização das pessoas e o fortalecimento das sociedades. Não há progresso nem verdadeira evolução se não entendermos a política como um meio de servir a comunidade. Aceitei o desafio para as eleições de 2009, mas estive ‘on the road’ pelo país inteiro durante muito tempo. Ou seja, 2008 e metade de 2009 foram vividos nesta lógica de serviço, com absoluta gratuidade e sempre na esperança de poder acrescentar valor.

Para além dos 55 mil votos de confiança, que nunca terei palavras à altura para agradecer, ganhei um conhecimento profundo do país real e uma proximidade ainda maior do que aquela que já tinha, pois há décadas que ando de norte a sul (e ilhas) por escolas remotas, organizações e instituições sociais, a participar como voluntária em formações, debates, conferências e ações cívicas.

Toda esta experiência foi muito intensa e bem vivida, mas cheguei ao fim exausta e com a convicção de que tinha sido única e irrepetível. Aceitei uma vez, dei o meu melhor, não ganhei um cêntimo com isso (muito pelo contrário!) e fiquei com uma admiração profunda e elevada por muitos outros candidatos de muitos outros partidos que conseguem fazer campanhas após campanhas sem sinais exteriores de burnout. Confesso que passei a olhar para eles com mais respeito e gratidão.

Voltei tranquilamente à minha vida de professora, autora, cronista e entrevistadora, acreditando que nunca mais voltaria a dar um passo na política, mas as coisas mudam. Things Change, escreveu David Mamet, no final dos anos 80 e, desde então, este passou a ser o meu título favorito. Quase o meu motto.

Gosto particularmente de mudanças, mas neste campo da política o que é que mudou para me fazer mudar? O que é que me fez ponderar aquilo que me parecia pensado, repensado, e para sempre arrumado? As circunstâncias, claramente, mas também as pessoas. Primeiro, a circunstância de haver uma omnipotência e uma omnipresença de forças políticas e políticos que não promovem a justiça social, que não apostam na sociedade civil, que não se importam com os mais frágeis (penso automaticamente nas pessoas com deficiência e nos doentes crónicos, por serem duas realidades de que estou muito próxima há muitos anos), que ignoram certas comunidades vulneráveis porque só se interessam pelas causas que lhes dão votos e perpetuam o poder.

Forças políticas e políticos que privilegiam o ‘amiguismo’ em detrimento da meritocracia; líderes que não protegem (pior: desprotegem!) quem precisa de ser protegido; gestores que gerem as organizações de forma opaca; decisores que decidem o que mais lhes convém a eles próprios e aos seus, enfim gente que se está nas tintas para o bem comum e não cumpre o que promete. Ou promete, mas para daqui a muito tempo, quando já ninguém puder vir pedir contas.

Numa era em que é pedido aos cidadãos que se cheguem mais à política, que não deixem a gestão do país e das cidades exclusivamente nas mãos de quem depende desse poder para viver, é importante dar passos concretos. Passos exigentes, que porventura não apetecem, mas são necessários. E urgentes.

Acredito que a vida faz mais sentido quando nos atravessamos pelo que é necessário e não apenas pelo que apetece. Nesta lógica, vi como Carlos Moedas deu o passo de sair pelo seu pé da Fundação Calouste Gulbenkian, trocando uma posição muito confortável e uma carreira segura e promissora, para conhecer a cidade a fundo, para se dar a conhecer, para se expor ao escrutínio dos cidadãos e, ultimamente, para estar ao serviço do bem comum. Interpelou-me este seu gesto e confesso que admirei a sua liberdade interior, pois nenhuma eleição está garantida à partida.

Carlos Moedas tem experiência política e também já provou a sua capacidade de gerir pessoas e equipas, grandes projetos e grandes orçamentos quando foi Comissário Europeu. Em 2014, Jean-Claude Juncker, o então presidente da Comissão Europeia, confiou a Moedas a pasta da Investigação, Ciência e Inovação, ficando o engenheiro português responsável pelo maior programa-quadro de sempre de investigação e inovação da União Europeia (Horizonte 2020). Moedas geriu 80 mil milhões de euros entre 2014 e 2020, o que equivale a ter gerido o orçamento de cerca de dez câmaras municipais de Lisboa.

Tudo isto diz muito sobre o gestor, mas também sobre a sua visão e a transparência com que gere. Acontece que Carlos Moedas não é apenas um homem de ação. O seu espírito pragmático não se esgota no que faz, também abre a uma escuta ativa e extraordinariamente conciliadora. Moedas sabe ouvir e pondera sobre aquilo que lhe é dito para poder contrastar, conferir, reforçar convicções ou acrescentar perspetivas.

Muito antes de saber que o Filipe Anacoreta Correia me viria desafiar a integrar a equipa, como independente pelo CDS, já eu observava o percurso de Carlos Moedas-candidato com admiração e gratidão. Gratidão por se ‘chegar à frente’ pelos lisboetas, por não ficar no seu gabinete climatizado da Fundação Gulbenkian, onde tinha um papel importante e fazia um trabalho apaixonante, por dar uma verdadeira alternativa a todos aqueles que não se revêm nas candidaturas dos outros candidatos.

Disse que o que me fez mudar foram as circunstâncias (enunciadas na forma mais resumida, mas essencial) e as pessoas. Pois bem, a conjugação de talentos e competências de pessoas como o Carlos Moedas e o Filipe Anacoreta Correia, que agregam à sua volta uma equipa eclética, formada por pessoas de dentro e de fora dos partidos, faz-me acreditar que é possível fazer mais e melhor pela cidade de Lisboa.

Valorizo a integridade, a retidão, a ética, a transparência, a competência, a coerência e a capacidade de gerir pessoas, projetos e organizações com visão e humanismo. Olho para esta equipa, que agora já é do conhecimento de todos, e percebo que cada um tem dado provas cabais de tudo isto e muito mais.

Vejo um líder mobilizador, justo e apostado em criar mais oportunidades para todos, jovens e menos jovens. Conheço o programa e as contas que se fizeram para chegar ao que está a ser proposto e fico com admiração por se antecipar uma cidade que valoriza as pessoas, que protege os seus cidadãos, que cuida dos frágeis e ajuda os mais vulneráveis. Uma cidade que Carlos Moedas quer que seja, por um lado, um ‘estado social local’ e, por outro, uma cidade da inovação, da ciência, da cultura e tecnologia (as suas áreas ‘core’, nas quais podemos confiar à partida, dada a sua experiência e os seus conhecimentos técnicos e humanos, por continuar ligado a uma rede internacional de líderes e gestores excepcionais), muito mais parecida com as cidades que existem ‘lá fora’, com as quais sonhamos por serem a nossa referência das cidades do futuro, onde todos sentem que têm lugar.

E é sobre tudo isto que hoje ‘converso’ com o meu pai, porque sei que se ele estivesse vivo compreenderia a minha opção, apoiaria a minha decisão e ficaria muito contente por haver um candidato de coração inteligente que decidiu ser alternativa ao poder e, para isso, deixou para trás o conforto e as certezas que poucos conseguiriam deixar.