“Ayuso es una rockstar”. A frase é de Toni Cantó, antigo dirigente e deputado do Ciudadanos, hoje militante do PP, figura central da actual direita democrática espanhola e actor – desempenhou o papel do travesti Lola no Todo sobre mi madre (1999), de Pedro Almodóvar –, resume bem Isabel Díaz Ayuso e o fenómeno político que se gerou em torno da Presidente da Comunidade Autónoma de Madrid.
Vamos por partes:
1 As eleições autonómicas de 4 de Maio foram as mais participadas de sempre, com uma abstenção a não ir além dos 20% (mais 11% do que há dois anos). Este dado revela, portanto, uma mobilização sem precedentes e que garante a Ayuso uma autoridade e legitimidade políticas que não se viam há muito em Espanha.
O PP ganhou em toda a linha: nos bairros ricos e nos bairros pobres – incluindo o cinturón rojo do Sul, suposto bastião de esquerda – entre os eleitores com maior e menor escolaridade, entre jovens e reformados. Reconquistou o voto da classe média.
Em dois anos, Ayuso ganhou um milhão de votos, e superou – tanto em votos como em deputados – a soma de todos os partidos de esquerda e extrema-esquerda juntos.
Se há dois anos, a então candidata do PP – aposta pessoal e, segundo alguns, arriscada de Pablo Casado – era uma quase desconhecida para a maioria dos espanhóis, hoje é o rosto da oposição mais dura, contundente, firme e eficaz a Pedro Sanchéz.
2 Quanto à fórmula, Ayuso partiu do conceito e valor da “Liberdade” para, a partir de aí, construir um programa político sólido e, sobretudo, perceptível e tangível para o eleitorado.
O documento com 164 páginas – onde a palavra “Liberdade” aparece escrita 47 vezes – defende medidas como (1) o cheque-ensino sustentado na liberdade de escolha (incluindo religiosa versus laica) de cada agregado familiar, independentemente da morada ou do bairro onde viva; (2) a redução da carga fiscal, em particular do IRPF (equivalente ao IRS português) para trabalhadores por conta própria e aumento das deduções fiscais em sede de IRPF; (3) a promoção de medidas de conciliação trabalho-família; (4) o aumento de vagas em lares e centros de dia para os mais idosos; (4) incentivos fiscais “verdes” com vista à transição ecológica; (5) a criação de um portal de transparência e acompanhamento da execução orçamental de todas as políticas públicas levadas a cabo pela Comunidade de Madrid; ou (6) a redução do peso da administração pública autonómica, começando pela redução do número de “ministros” regionais. E podia continuar.
3 Descomplexada, corajosa e disruptiva, Ayuso imprimiu um estilo (de novo) perceptível e tangível para o eleitorado. Rejeitando o discurso da esquerda mais extremista, que de há uns anos a esta parte fala para “colectivos” – o das mulheres, o das minorias étnicas, LGTB, etc. – a presidente da Comunidade Autónoma de Madrid optou por falar para todos os eleitorados sem olhar à cor da pele, ao lugar onde se nasceu, à orientação sexual ou ao género, porque, como afirmou, nenhum destes factos deve beneficiar ou prejudicar alguém pelo simples facto de o ser; e direccionou o seu discurso aos empreendedores, aos trabalhadores por conta própria, aos pequenos e médios empresários, às famílias (todas sem excepção), aos agentes culturais, enfim, a todos aqueles que acreditam na mobilidade social como factor de crescimento económico e coesão.
4 Durante a campanha, Ayuso foi acusada de tudo: fascista, assassina, louca perigosa, doente mental, mulher das tabernas, mal casada. Passou olimpicamente por cima. E todas as vezes respondia com dados sobre a gestão da crise pandémica, da redução do desemprego em Madrid, ou sobre o espetacular crescimento económico da região no último trimestre de 2020 (4,4%, quando no conjunto de Espanha esse crescimento do PIB não foi além dos 0,4%).
5 Na noite de 4 de Maio, desde a varanda da sede do PP e acompanhada por Pablo Casado e José Luis Martínez-Almeida, o popular Presidente da Câmara Municipal de Madrid, começou por agradecer. A todos.
Depois reafirmou que naquela noite tinha ganho a Liberdade. A Liberdade de viver “a la Madrid”, que é como quem diz, à vontade de cada um. Nisto, a multidão de novos e velhos que gritava o seu nome transpirava esperança e alegria, enquanto bandeiras de Espanha, das suas regiões autónomas, de Portugal, da União Europeia, de Cuba e da Venezuela decoravam o alcatrão da Calle de Génova.
6 Como antecipei no meu último artigo, publicado a 23 de Abril, Ayuso foi a candidata catch all e que marcará um antes e um depois à direita. Não só pela vitória histórica – o terceiro melhor resultado do PP em Madrid – mas pela derrota estrondosa de todos os seus adversários, com Pablo Iglesias do Unidas Podemos à cabeça.
Este, ainda na ressaca da noite eleitoral, anunciou que abandona a política activa. O outrora homem que se arrogava vir transformar a política espanhola e acabar com as “castas”, acabou “marquês de Galapagar”, juntou uns quantos contos e já tem uma reforma por ter sido Vice-Presidente do Governo espanhol durante pouco mais de um ano. Procura agora emprego nalgum meio de comunicação social do regime. Clássico. Até mesmo para Pablo Iglesias.
“Que hable la mayoría”, afirmou o fundador do Unidas Podemos. Assim foi.