Durante duzentos e cinquenta anos a discussão política em Constantinopla foi polarizada entre Azuis e Verdes. Eram duas das quatro cores sob as quais se corria no hipódromo da cidade. Cada cor exprimia opiniões características, políticas e teológicas, e encontrava acolhimento em grupos diferentes; a família imperial esteve muitas vezes dividida. Os azuis e os verdes mataram-se uns aos outros pelas ruas e pelos estádios. Tirando um breve momento (uma semana no princípio de 532) em que se uniram para chacinar trinta mil pessoas, entusiasmaram gerações sucessivas, até que o último azul acabou por ser executado por ter morto o último verde.

O calor que se tomava em Constantinopla não distinguia bem teologia, política e desporto. A situação não se alterou muito, excepto no gosto perdido por discussões teológicas, e que tinha caracterizado quase todos os imperadores, do fundador da cidade ao Imperador de Mármore. Existe um parentesco entre fidelidade e ódio; como entre inteligência e barbárie; e entre refutação e humilhação. As nossas inclinações desportivas nasceram connosco, exactamente como os nossos ódios políticos ou lealdades teológicas. Ninguém sai, diz-se, ou pode sair, de um clube desportivo; e quem muda de partido ou de religião será sempre lembrado como apóstata; pelos que abandonou e sobretudo por aqueles por quem foi recebido. A apostasia é no entanto rara; a maioria não parece ter grande vontade de deixar os modos azuis ou verdes com que nasceu.

Tal como as conversas de balneário nasceram na cidade de Atenas, assim não é de excluir que as principais ideias políticas modernas sejam de origem desportiva: a ideia de que nos encontramos por definição do lado da virtude; a de que não há diferença entre táctica e estratégia; e sobretudo a ideia de que os outros se caracterizam por querer constantemente fazer aquilo que gostaríamos de ter podido fazer. A própria noção de vitória política é uma ideia desportiva; e o tom das celebrações políticas e desportivas é o mesmo. Talvez no fundo haja uma única maneira de nos celebrarmos a nós próprios; uma maneira de preferir vitórias; e só uma maneira de humilhar os vencidos.

Importa pouco se o espectáculo da vida colectiva é visto como política ou como desporto. Aquilo que dizemos é parecido, as emoções e as pessoas são quase sempre as mesmas, e a esperança em milagres é igual. Percebe-se que a ideia de um mundo sem política nem desporto seja rara. Onde há uma dessas coisas parece haver sempre a outra; e alguma, ao que parece, tem de haver. Mas nada impede que haja menos das duas. O mundo seria mais cordato: perder-se-ia um certo entusiasmo; menos pessoas se imaginariam atletas ungidos; vingadores por conta própria; membros de equipas; ou representantes de quem quer que fosse.

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