Não se iluda. Os AVC, os enfartes e todo o rol de doenças cérebro-cardiovasculares não acontecem apenas às pessoas mais velhas. Dados recentes mostram-nos que 20% dos AVC já ocorrem em jovens adultos, condicionando amiúde a sua funcionalidade e, consequentemente, o cumprimento das suas obrigações familiares e profissionais.
E se uma doença destas lhe bater a porta? Sabe quais os seus direitos? Onde procurar e o que fazer para obtê-los? E quais as respostas para uma possível recuperação?
Sou assistente social num hospital e são raros os dias em que não sou questionada pelos doentes e famílias sobre soluções para as suas vidas, que num piscar de olhos ficaram viradas do avesso. É junto deles que trabalho a motivação, o suporte e a estabilidade emocional, na tentativa de apaziguar a incerteza que os invade nestes momentos.
No corrupio dos dias agitados do hospital, o meu papel é muitas vezes discreto, mas garantidamente necessário e imprescindível, sobretudo no que toca à garantia dos direitos sociais do doente e da continuidade dos cuidados de saúde. Através da advocacia social trabalhamos para permitir que os direitos das pessoas sejam concretizados, através de uma abordagem casuística, inclusiva e justa para que todos possam fazer uso pleno dos seus direitos. As minhas funções enquanto assistente social não se esgotam, nem de perto, nem de longe, nestes dois pontos, mas é sobre eles que quero chamar a atenção.
No caso de ficar impedido de exercer a sua atividade profissional na sequência de um episódio de doença isquémica cardíaca ou de AVC, o período inicial da baixa médica foi prolongado de 30 para 90 dias. A baixa médica poderá prolongar-se, sempre que se justifique, até aos 1095 dias. Durante este período tem direito ao subsídio de doença, que permite compensar a perda de renumeração (atenção ao prazo de garantia obrigatório de seis meses).
Se, desse episódio de doença resultar uma incapacidade, seja ela física, mental ou outra, saiba que pode e deve requerer o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (AMIM). O AMIM é um documento, emitido após uma avaliação de junta médica, que indica e comprova o grau de incapacidade de uma pessoa, seja permanente ou temporária, com o respetivo grau, em percentagem. Para obter este documento deve apresentar no Centro de Saúde da sua área de residência um requerimento de avaliação da sua incapacidade.
Recentemente, várias patologias passaram a dispensar de junta médica de avaliação, sendo uma ótima medida para reduzir os tempos de espera infindos para a realização destas avaliações. Contudo, as doenças cérebro-cardiovasculares ainda não estão contempladas nestas exceções. Ainda sobre o AMIM, registe que, caso tenha um grau de incapacidade igual ou superior a 60% tem acesso a benefícios fiscais, a proteção social e ainda a apoios a nível da saúde e formação. Destaco a Prestação Social para a Inclusão (prestação paga mensalmente, mediante condições de atribuição), melhores condições no crédito para a compra de casa e até descontos nas telecomunicações e em transportes públicos. Passa a beneficiar de um regime especial de IRS, isenção de pagamento do imposto único de circulação, entre outros.
E se desse evento de doença resultarem sequelas que não lhe permitam realizar com autonomia as suas atividades diárias? De entre as escassas alternativas existentes de reabilitação dou-lhe a conhecer a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). Estamos a falar de um conjunto de instituições públicas e privadas, que prestam cuidados continuados de saúde (incluindo a reabilitação) e de apoio social a pessoas em situação de dependência, tanto na sua casa como em instalações próprias. Os pedidos de ingresso nesta rede são realizados pelas equipas das atuais Unidades Locais de Saúde. Caso preencha os critérios de acesso à RNCCI será muito provavelmente abordado pelo médico, pelo enfermeiro ou pelo assistente social sobre esta possibilidade.
Depois desta caminhada, muitas vezes os resultados não são o que esperamos. As doenças cérebro-cardiovasculares deixam marcas, algumas delas irremediáveis. No caso de não existir uma recuperação funcional, cognitiva e psicossocial que permita a manutenção da sua atividade profissional, a pensão de invalidez (relativa ou absoluta) poderá ser a solução. O pedido poder ser feito através da Segurança Social Direta.
Importa saber que a lei permite aceder à reforma antecipada aos 60 anos, sem penalização, para quem tem um grau de incapacidade igual ou superior a 80%. Por fim, pode acumular à sua pensão o complemento por dependência. Trata-se de uma prestação paga mensalmente aos pensionistas que se encontram numa situação de dependência e que precisam da ajuda de terceiros para a realização das atividades básicas.
Agora que já sabe um pouco mais sobre o ABC dos direitos sociais na doença e dependência, não se esqueça, tudo será mais fácil de ultrapassar se recorrer a um dos muitos ABC da vida: Amor, Bravura e Confiança.
Fátima Ferreira é assistente social na ULS São José – Hospital de Santa Marta, desde 2010 e responsável pelo Serviço Social neste hospital, desde 2021. Tem ação direta em várias áreas clínicas. É licenciada em Serviço Social pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e mestre em Serviço Social pelo ISCTE-IUL.
Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.
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