Ao sair da Beira, um beirão ao identificar-se como tal, em contexto informal, numa outra região desta nobre nação, é comumente confrontado com a sua origem em termos jocosos e zombeteiros.
Bastas foram as vezes que, ao ser-me perguntada a origem, responderam-me com um “Ai és de Bijeu?” “Bijeu! Ahah! Bijeu, Bijeu!” E toda a vida foi uma longa fila de “Bijeu, Bijeu e Bijeu”. Isto é, claramente, um sinal de Beirofobia!
Os beirófobos, que têm medo de tudo o que lhes é alheio, incluindo a pronúncia beirã, apropriam-se dela e fazendo-a sua! Os beirófobos, devem saber que os nossos “s” e os nossos “z” são consoantes sibilares, invés de “j”, muito mais parecido aos “s” nossos vizinhos – jamais amigos e muito menos hermanos – castelhanos.
Muitos de nós sofremos esta discriminação pela origem! E é um problema gravíssimo para a maioria das pessoas que habitam toda a área entre Mondego e Douro – ainda que em Trás-os-Montes e partes do Minho, a pronúncia seja em tudo idêntica, com suaves tonalidades distintas.
Todos os anos, centenas de milhares de horas de terapia e de anti-depressivos são gastos pelas encostas rugosas da região, para tratar a opressão que os Beirões sofrem ao ver uma rábula televisiva onde um marialva, um ribatejano, um portuense ou um saloio se fingem passar por um Beirão. Se há black-face, também deveria haver Beirão-voice! É uma indignidade!
Claro que há alguns que se pavoneiam, com vocabulários superiores: incontáveis foram as vezes que na Capital do Império os ignorantes da diversidade dos vernáculos deste país me diziam com pedantaria “é ténis, não é sapatilha” ou “coâlho, não é coêlho”. Mas os que assim nos falam pedantemente, mais sobre eles dizem, do que de nós.
Depois, temos a questão da representatividade. Os Beirões, dependendo da interpretação histórica ou geográfica das Beiras, representam entre 5% a 10% da população nacional. Que afronta é a falta de representatividade no meio político, cultural e artístico! À excepção do antigo ministro Jorge Coelho, filho da pérola da Beira, silenciaram-se os nossos sibilos, o nosso cecear, a nossa orgulhosa zezeação nos corredores do poder central e, obviamente, nos centros de tomada de decisão das grandes empresas deste país.
Lembro-me apenas de Isabel Silvestre, mas já se retirou dos palcos.
O Samuel Úria nasceu cá em cima, mas viveu a vida toda em Lisboa e o seu sotaque é mais de lá, do que de cá.
Necessitamos representatividade de igual forma! Precisamos de mais Beirões nas telenovelas e nos reality shows. 10%, no mínimo. Recuso-me a aceitar menos! Um em cada dez dos altos cargos deste país deverá ser entregue a Beirões! Porquê? Para representarem a Beira como deve ser! Por causa da representatividade e das quotas que se querem impor! E, acima de tudo, porque sim!
Temos uma cultura, uma forma distinta, própria de viver e ver o mundo. Diferente dos outros, pelo que deve ser forçosamente ouvida pelos demais e imposta aos demais, que a devem aceitar de mãos e braços abertos, senão deverão levar uma mangualada no cocuruto.
Agora que findamos a esta curta lamentação, resta-me dizer que os Beirões, gente de valores imensos, quase oníricos, passam ao largo destas picuinhices, destas miudezas.
Se gozam com o nosso orgulhoso sotaque, é sinal que o conhecem, que tem fama. E porque haveria de ser mal fazer do nosso sotaque uma piada? Em boa verdade, quantos de nós falam assim? Mães, pais, avós? Pessoas dignas, honradas e trabalhadoras? Empresários, engenheiros, médicos, cientistas… As pessoas que labutam há séculos nestas terras demoníacas, pedregosas, gélidas no inverno e avassaladoramente tórridas no verão, produtores de vinho e castanha (leia-se eucalipto).
A representatividade, rejeitamo-la se for dada de mão beijada, pois alcançamo-la a pulso, com o suor de frentes enrugadas, que as costas das mãos vão enxugando, numa epopeia sisifiana.
Quem brinca connosco, brinca por amizade, para quebrar o gelo, para se dar a conhecer. Para no humor estabelecer uma ponte, para nos trazer a si e metermo-nos ao mesmo nível. E nós gostamos disso!