O sol já vai baixo. Dizem que há poucos entardeceres como os de Lisboa. O que é verdade, mas depende do sítio. Se nuns é um sinal do paraíso, noutros é o inferno cacofónico do mau planeamento urbano e o apogeu dos problemas das grandes urbes.

Em Alcântara, especificamente na Avenida da Índia, perto da intersecção com a Rua de Cascais, é possível vivenciar um dos piores fenómenos acústicos duma cidade. Simultaneamente, é possível ouvir: um avião a iniciar a sua aterragem, o trânsito rodoviário imparável, o ronco dos autocarros, o zumbido constante da Ponte 25 de Abril, havendo espaço ainda para o trotar ensurdecedor dum comboio da linha de Cascais!

Fosse este caso único nas nossas cidades! Ainda em Lisboa: a Calçada de Carriche, a Segunda Circular, a Interseção de Sete Rios, a A5… A norte, no Porto: a VCI, a zona circundante da Ponte da Arrábida, partes da Campanhã, o Freixo, o Estádio do Dragão…

Além da cacofonia ruidosa encontrada nas nossas cidades, ainda temos outra praga que nos encandeia e ofusca: a poluição luminosa!

Na outra ponta do país, no centro de Bragança, por exemplo, os transeuntes são absolutamente ofuscados por um painel publicitário lumioso de uma ótica, numa das artérias principais da cidade. Os prédios do outro lado da rua refletem a brutalidade das imagens projetadas noite fora. Pergunta-se o autor quem é que vai comprar óculos às 3:00 da manhã a uma terça-feira. Ou às 2:00 de quarta. Ou às 23:30 de domingo…

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Pelas aldeias, vilas e cidades deste país multiplicam-se sinais luminosos de farmácias com efeitos estroboscópicos que nos entram pelos olhos adentro sem permissão. Evidência clara de um exagero rococó de publicidade bacoca e inútil. Em sítios mais remotos, também nos persegue um outro tipo de exagero: candeias intrometidas polvilham as serras de tal maneira que a luminescência artificial torna quase impossível discernir os corpos celestes.

Em bombas de gasolina, já de si bem luminosas, é comum encontrar painéis luminosos ofuscantes a publicitar tudo, menos míticos ou imaginários preços de combustíveis acessíveis aos bolsos do português. Publicitam, sim, espetáculos musicais, a mais nova promoção do supermercado ou até o financeiramente competitivo pequeno-almoço servido ali, entre o cheiro dos combustíveis e de sonhos destruídos, após ver o montante a pagar no mostrador da bomba. Publicitar um pequeno-almoço de bomba de gasolina às 23:00, com luzes ofuscantes e psicadélicas, como se se tratasse coisa mais essencial para o bom funcionamento e nutrição dos seres humanos. Permitam-me o desabafo, mas uma bomba de gasolina em contexto urbano será sempre dos últimos lugares onde pense ir comer uma sandes mista e beber um galão. Mas, claro, esta é apenas a opinião do autor.

A poluição sonora e luminosa são, desde sempre, os primos pobres do debate e da ação contra a poluição. Talvez pela sua “invisibilidade”, efemeridade, dificuldade de medir ou de compreender. Um esgoto a céu aberto tem um impacto imediato distinto de horas e horas submetidos a ruído urbano ou a poluição luminosa. Enquanto sociedade, deixamos passar. “É só barulho de fundo. Faz parte.”

No entanto, o ruído ambiente existe e é grave! Façamos o exercício de comparação com o ruído ao de máquinas numa linha de produção ou o martelar um martelo pneumático. Quando acaba o turno ou o dia de trabalho, parece que nos nasce uma nova alma! Em ambiente de escritório corporativo, naquelas alturas que, sem se saber porquê, o ar condicionado é desligado e de um momento para o outro ouvimos o escritório de uma maneira melhor. É como se nos fosse tirado um peso das costas, aliviando um torpor da cabeça. O mundo ganha novas dimensões e texturas! Agora imagine-se esse ruído miudinho e essa luz de presença sempre, sempre constante…

O impacto deste tipo de poluição nas pessoas é real! Entra-nos pelos sentidos sem darmos conta, criando problemas de longo prazo na saúde física e mental. Está bem estudada a correlação entre exposição contínua ao ruído urbano e problemas neurológicos – Alzheimer, por exemplo. A higiene do sono sugere escuridão total para um melhor descanso. Deliberadamente, deixamos de lado o impacto que estes tipos de poluição têm nos ecossistemas naturais.

Andamos pressionados, stressados, aborrecidos, deprimidos, cansados. As causas para este estado quase epidemiológico de mal-estar são imensas. No entanto, quase de certeza, uma delas é este ruído que nos persegue incessantemente e as luzes que nos maltratam o sono. Andamos continuamente estimulados, em modo de defesa, com luzes e buzinas e aceleradelas e travagens e comboios e autocarros e aviões e barcos e sabe-se lá mais o quê! Ficamos acordados até tarde, dormimos mal por causa de televisões, telemóveis, écrãs de computador, tablets e letreiros luminosos! Vivemos perseguidos e assoberbados por esta poluição por onde quer que andemos.

É urgente repensar o ruído sonoro das nossas cidades e a luminosidade noturna que assola as nossas ruas. As leis têm de prever estas questões, e a fiscalização tem de acontecer. Caso contrário, continuaremos a ter muitas dores de cabeça, a andar muito fulos e a ver a nossa qualidade de vida a definhar.

Por isso, por favor, façam pouco barulho e apaguem a luz!