Os portugueses queixam-se de barriga cheia! Cheia de impostos, claro. A classe média já mal pode apertar o cinto com tamanho inchaço abdominal. No entanto, todos sabemos que em barriga cheia cabe sempre um docinho. Uma sobremesa gulosa que, misteriosamente, encontra lugar num estômago dilatado por demais. Sabendo disto, o nosso país acordou recentemente informado de que está para breve um aumento do IUC, já de si altíssimo, comparado com impostos semelhantes noutros países do velho continente.

As razões – a modernização do nosso envelhecido e poluidor parque automóvel e a redução da poluição atmosférica. Excelentes motivos, na sua essência! Só um louco se oporá a ver as nossas estradas, autoestradas, parques de estacionamento e infindáveis filas repletas de carros modernos, maioritariamente cinzentos e pálidos, fazendo inveja às regiões mais ricas e modernas deste pequeno globo. Por outro lado, só um maníaco se opõe ao ar limpo! As nossas cidades, cortadas, retalhadas e divididas por vias de cintura, autoestradas e avenidas mais silenciosas e muito, muito menos fumarentas e mortais.

Dirá o povo sapiente e já muito pouco paciente: “Mas de boas intenções, está o inferno cheio”.

Nota-se, nos bolsos dos contribuintes especialmente, uma vontade governamental de reduzir as emissões poluentes dos portugueses (e bem!), tornando o nosso país, a nossa sociedade mais ambiental e socialmente sustentável (e bem!). No entanto, deslizando o eterno cortinado, a peneira com que se insiste em tapar o sol da vista apressada, surge uma questão: e o IUC dos paquetes?

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Desde há uns anos a esta parte que o turismo mundial de cruzeiros tem aumentado em volume e em emissões poluentes. E o nosso país, estrategicamente colocado no centro do planisfério, é porto ancoradouro destes leviatãs de aço, vidro, plásticos, restos de comida e fuelóleo. Diz quem o sabe, e tantas vezes noticiado, a qualidade do ar da capital decresce substancialmente quando arribam os milhares de turistas efémeros que inundam Alfama, Baixa e Terreiro do Paço. Poderemos pensar que é o calcorrear dos turistas incautos a fonte dos males, no entanto, é no ligeiro tremor que se sente ao lado do porto, que a besta adormecida e ronronante que os trouxe regurgita toneladas e toneladas de partículas pesadas, para maltrato dos canais respiratórios dos nossos concidadãos. Lisboa está em quinto, num ranking de cidades mais poluídas por emissões de navios de cruzeiro (mal posso esperar para chegarmos ao pódio!).

E, já que a sustentabilidade é mais que ambiente, clima e poluição, falemos então dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, especialmente os números 8, 10 e 14: Trabalho Decente e Crescimento Económico; e Redução das Desigualdades; Oceanos, Mares, e Recursos Marinhos, respetivamente.

Deveriam pagar mais impostos empresas que mantêm uma significativa parte dos seus trabalhadores, muitos deles filipinos, malaios, cingaleses, abaixo da linha de água, e que estão taxativamente proibidos de usar as mesmas entradas e saídas que passageiros e membros das “crews” que vivem acima da linha de água? Deveria haver um aumento desse IUC, dado que estas empresas, para além de poluir o nosso ar – máxima preocupação do governo – também vão de encontro àquilo que a nossa sociedade almeja: a redução das desigualdades? Faria sentido criar uma taxa extra para navios de recreio para compensar o afugentar dos golfinhos que, timidamente, começaram a subir o Tejo durante a pandemia?

Os portugueses, relegados a… portugueses de segunda (!), é que sofrem o impacto da vontade política de sermos mais “sustentáveis”.

Adaptando uma célebre frase de George Orwell, mundialmente conhecido pelo seu receio a ditaduras do proletariado, “todos os portugueses são iguais, mas uns portugueses são mais iguais que outros”.

A classe média, mais e mais apertada, com cargas fiscais insuportáveis. As médias empresas, sem ter por onde fugir. As grandes empresas com sedes fiscais noutros países. As grandes fortunas desaparecidas nas marés de paraísos fiscais, em ilhas a que, mesmo que quisessem, nem Cabral nem Gama lá chegariam.

Em que ficamos? Pagam só os portugueses? É, mais uma vez, a nossa pátria a ser melhor madrasta que mãe?