Faz por esta altura 200 anos. Inglaterra do séc. XIX, plena Revolução Industrial. Um grupo de trabalhadores, temendo a sua substituição por máquinas modernas, protestava contra aquilo que acreditava ser o fim do emprego orgânico, humano e manual, resultado da emergência da tecnologia. Os protestos culminaram na destruição de máquinas e na vandalização de fábricas. Foram precisas décadas para explicar que o progresso tecnológico é um dos grandes motores do crescimento económico, não obstante os spill-overs de I&D e o capital humano. Por muito desfasado que possa parecer, um trabalhador comum nunca trabalhou tão pouco e ganhou tanto como agora, e isso só é possível com os aumentos de produtividade observados desde a Revolução Industrial, do motor a vapor à síntese do nitrato de amónio. Em suma, do progresso tecnológico.

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Esta falácia económica ficou doravante conhecida como a falácia de Luddite, e parece ainda não ter desaparecido do extenso repertório de alguns políticos, como tão bem ilustra a promessa de um autarca de repor os portageiros nas autoestradas, recuperando assim «os empregos destruídos». Em termos económicos, esta proposta faz tanto sentido quanto a promessa de uma autarca da Iª República que garantia ruas apenas a descer. Igualmente perniciosa, e igualmente injustificada, é a falácia da massa de trabalho, que vê no imigrante o ladrão do emprego alheio.

Sem recorrer a complexas teorias económicas, sugere-nos o senso comum (mas não o bom senso), que, dada uma determinada quantidade procurada de trabalho (note-se que, contrariamente à gíria comum, no mercado de trabalho as empresas procuram trabalho e as famílias oferecem trabalho), uma oferta maior irá reduzir o preço de equilíbrio, isto é, o salário, mantendo-se o nível de emprego inalterado. Em jargão menos técnico, aumentaria o desemprego e baixariam os salários. Verdade? Como em todas as falácias que tendem a perdurar, uma meia verdade. A outra meia é que a quantidade procurada de trabalho não se mantém constante — surpreendentemente, os imigrantes também comem, bebem, dormem, enfim, consomem —, pelo que não aumenta apenas a oferta de trabalho, aumenta também a procura.

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Porquê recuperar esta discussão? Porque as discussões eleitorais que agora decorrem no Reino Unido recordam-nos que existem mitos difíceis de erradicar. Trava-se lá mais uma campanha eleitoral, da qual emergirá o próximo governo britânico. Pelos Conservadores continua David Cameron, eleito em 2010. Pelos Trabalhistas concorre Ed Miliband, figura da ala esquerda do partido que renunciou tacitamente à 3ª via de Tony Blair, sugerindo um preocupante regresso às políticas trabalhistas dos anos 70. Surgem também os Verdes e os Liberais Democratas, cuja luta decorre na liga dos últimos da democracia, a da sobrevivência política. Por fim, e de forma mais surpreendente, surge o UKIP.

Curiosamente, o discurso eleitoral tem sido dirigido, não pelos conservadores ou pelos trabalhistas, como seria expectável, mas pelo UKIP. Até há poucos meses, o UKIP não era mais do que um partido de contestação, que capitalizava com o histórico eurocepticismo britânico. Elegeu para o Parlamento Europeu Nigel Farage, o carismático líder do coturno lilás decorado a libras amarelas, e que foi sucesso de visualizações no Youtube devido às suas espirituosas contendas com, entre muitos outros, Herman Van Rompuy, Martin Schulz, Jean-Claude Juncker e até Durão Barroso.

Se é de salutar uma boa dose de eurocepticismo, que contrarie os ímpetos federalistas de uma União Europeia que teima em afastar-se das suas bases, uma zona de livre comércio de bens e de serviços, para convergir para um Leviatã burocrático, anafado, distante do princípio da subsidiariedade, com múltiplas estruturas redundantes e de dúbia utilidade, menos proveitosa é a repetida discussão, promovida pelo UKIP mas também pela Frente Nacional em França, sobre as maleitas da imigração. A par com a falácia de Luddite, o mito do imigrante que rouba postos de trabalho ao trabalhador local apenas se compreende, enquanto estratégia política, se usada como cavalo de Troia para discussões identitárias.

A União Europeia tem incontáveis defeitos, mas a livre circulação de pessoas, de bens e de serviços não é um deles. Assim como não é o pluriculturalismo, a comunhão de diferentes credos, ideais, culturas e línguas. A discussão, então, não é sobre como limitar os imigrantes, mas como integrá-los. Historicamente, a Europa é um continente de múltiplas etnias e diferentes culturas, que respeita a liberdade religiosa. Contudo, não deve — não pode — sacrificar os valores e princípios sobre os quais se ergueu, e pelos quais outrora se vergou, em nome do relativismo cultural: a União Europeia deverá continuar a ser um receptáculo de avindos imigrantes, sempre que estes respeitem os nossos valores ocidentais, a matriz comum a tanta diversidade europeia. Nessas circunstâncias, pois que sejam muito bem vindos.