Alhaji Momodo Njie. Só soube agora da sua morte. DEP, descanse en paz. Na minha primeira visita a Sevilha, por ocasião da estreia do Pepe no Real Madrid, em jogo da primeira mão da Supertaça espanhola, resolvido com um golo solitário do brasileiro Luís Fabiano, o seu nome apanhou-me de surpresa. Como a notícia da sua morte, insisto.

Alhaji Momodo Njie. Hei-de acabar este texto a escrever o seu nome sem olhar para a cábula, prometo-vos. No pico do Verão, seja 2006 ou outro ano qualquer, Sevilha é insuportável. O calor consome-nos, faça sol, faça chuva, seja dia, seja noite. É uma cidade tramada de calcorrear e a imagem distorcida, vulgo miragem, é o mais comum. Às tantas, entramos numa casa maravilhosa de tapas (ups, um pleonasmo). Palavra puxa palavra, o empregado é português. Quando lhe pergunto sobre a Supertaça espanhola, ele responde-me tranquilamente “Faltam quatro meses e seis dias”. Hein?! Sim, faltam quatro meses e seis dias. Para o quê? Para o dérbi. Hein? Para o Sevilha-Betis. “Aqui só temos dois jogos, o dérbi no Sánchez Pizjuán e o dérbi no Benito Villamarín. O resto é paisagem”. O emprego do termo ‘temos’ diz tudo. O homem, o nosso homem, já está bem dentro do espírito andaluz.

Que maravilha. Nunca tive a sorte de ver um Sevilha-Betis ou Betis-Sevilha, é um daqueles sonhos de consumo. Um dia. Quando esse dia chegar, e se for ao Sánchez Pizjuán, casa do Sevilha, tenho de deter o olhar na direcção da bancada dos Biri Biri. Dos quem? Dos adeptos da bancada norte, os Biri Biri. Em homenagem a Alhaji Momodo Njie (cábula, gracias).

Melhor jogador da Gâmbia de todos os tempos, Biri Biri chega a Sevilha em 1973, após um rocambolesco processo de contratação. Três anos antes, a equipa inglesa do Derby County joga na Gâmbia e o treinador Brian Clough (mais tarde, em 1979 e 1980, bicampeão europeu pelo Nottingham Forest) deixa-se impressionar pelo talento de um tal Biri Biri. E contrata-o. Só que Biri Biri não joga sequer um minuto, simplesmente porque não entra em Inglaterra.

Normal, já que não tinha passaporte. Se tivesse passado a fronteira, teria sido o primeiro negro a jogar em Inglaterra. Assim, voa para a Dinamarca e assina pelo modesto B 1901. Lá, um comerciante espanhol (e andaluz) chamado José Ramón mascara-se de empresário e faz toda a negociata para o Betis, mediante um encontro entre as duas partes em Madrid. No aeroporto de Barajas, o Betis solicita um treino improvisado a Biri Biri numa sala de embarque. É chumbado. Mas não sai de Madrid. O astuto José Ramón liga a uns dirigentes do Sevilha e estes nem querem testá-lo. Se é recusado pelo Betis, vamos elevá-lo a herói para os arqui-rivais se roerem de inveja.

Meu dito, meu feito. Nos cinco anos seguintes, o Betis anda cabisbaixo e o Sevilha respira saúde, com Biri Biri em destaque. Ora pelo seu toque de bola, ora pela sua habilidade para tirar férias na Gâmbia a meio da época. As desculpas multiplicam-se: serviço militar, funeral de um tio e inauguração do supermercado do irmão. Às tantas, em 1975, diz ser o presidente da Gâmbia e, a partir daí, as ausências passaram a ser mais frequentes e demoradas. Um dia depois de garantir a subida à 1.ª Divisão do Sevilha com um golo da sua autoria ao Cadiz, o bom do Biri Biri sai de Espanha “para resolver os problemas da Gâmbia” e ensinar o filho recém-nascido Mumaru a jogar futebol. “Vai ser o melhor do mundo em 2000.” As previsões saem-lhe furadas, mas ele pode fazer o que quiser. Afinal de contas, é Biri Biri. Alma do Sevilha e presidente da Gâmbia. Para sempre.

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