O Brasil acaba de entrar para a lista de países onde o X, antigo Twitter, é proibido. Fazem parte da seleta lista: Rússia,  China, Irão, Mianmar, Coreia do Norte, Venezuela e Turcomenistão. Como se pode ver, todos os componentes da lista  possuem governos autoritários, em que a repressão à liberdade de expressão vai muito além do banimento de redes sociais.  Estaria o Brasil seguindo o mesmo caminho desses países? Estamos a ver a escalada do autoritarismo por parte do judiciário  brasileiro? E se sim, como uma parcela da população não enxerga um autoritarismo e ainda aplaude a medida?

Uma medida autoritária como a censura pode ser implementada de maneira eficaz e com amplo apoio popular  quando é feita pouco a pouco, com a ajuda de meios de comunicação tradicionais, capazes de atingir a massa da população,  criando-se a narrativa de que a informação descentralizada, por meios não tradicionais, não deve ser confiada, e que ela  representa um grande perigo à toda sociedade, por isso precisa de ser combatida. Obviamente não se inicia com um simples anúncio repentino num jornal com alta audiência, mas com críticas subtis, aumentando-as pouco a pouco. Todas as ditaduras  justificam a censura como o combate de um grande perigo, que deve ser executado para o bem da sociedade.

No caso específico do suposto autoritarismo judiciário brasileiro, tudo começou com o famoso inquérito das fake  news, que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de 5 anos em sigilo, e desde o início vem sendo criticado por  juristas e até considerado inconstitucional pela Procuradoria Geral da República (PGR), que mandou arquivar,  argumentando a ilegalidade de uma investigação penal ser feita pelo judiciário, excluindo o titular da ação penal e obstando-lhe acesso à investigação, impondo sigilo, designando relator sem observar o princípio da livre distribuição e dando-lhe  poderes que quebram a garantia da imparcialidade judicial.

Entretanto o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, rejeitou o arquivamento. E de uma decisão do  STF, não há a quem recorrer, tornando o autoritarismo possível e sendo muito difícil de livrar-se dele. Com base em  justificativas baseadas em interpretações distorcidas da lei, ele faz o que quiser, e aproveita-se da polarização nacional,  tendo assim um grande apoio para perseguir, silenciar e torturar a oposição. Utiliza da narrativa de que suas ações não são  contra a liberdade de expressão, mas sim contra o “discurso de ódio”, a propagação de “notícias falsas” e de “ameaça à  democracia e ao Estado Democrático de Direito”. Narrativa que é aumentada pelos media tradicionais, sobretudo os canais  abertos de televisão e rádio, que a adotam com o interesse de reforçar a sua capacidade de manipulação.

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No seu modus operandi de perseguição, silenciamento e tortura, fere por completo o devido processo legal, a  imparcialidade da justiça e o direito a ampla defesa, conduzindo processos em que é ao mesmo tempo a acusação, a vítima,  a investigação e o juiz. Somado a isso, não se limita à sua competência, que é o poder judiciário, tomando para si o papel  de executivo e legislativo, já que trava ações do governo, toma decisões sem previsão legal e age ativamente para interferir  no funcionamento principalmente do legislativo.

Um grande exemplo é a pressão que o STF tem feito sobre o congressso nacional para aprovar uma lei para a  criminalização de fake news. As críticas e oposição ao que estava proposto na lei não partiram apenas de cidadãos comuns,  mas também de diversas plataformas digitais, incluindo o Telegram, que emitiu uma mensagem alertando para os perigos  do projeto de lei, que “concede poderes de censura ao governo”. O ministro Alexandre de Moraes ordenou a remoção da  mensagem e a publicação de uma nova dizendo que a anterior caracterizava “flagrante e ilícita desinformação”, sob pena  de suspensão de 72 horas no Brasil. Ora, além de não haver desinformação na mensagem do Telegram, o ministro ameaçou  penalizar por um crime inexistente, e ainda abusou do seu poder para interferir na aprovação de uma lei, que cabe  exclusivamente ao poder legislativo. Felizmente, o projeto de lei ainda não foi aprovado, entretanto isso não tem impedido  o ministro de tomar suas decisões arbitrárias.

Curiosamente, quase que a totalidade de ordens de remoção de contas foi contra políticos de direita, em sua maior  parte de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso ajudou para conseguirem o apoio da esquerda, que acredita nos argumentos que não há censura, mas apenas combate a fake news e “discurso de ódio”. Porém as ordens de remoção não  têm sido de publicações específicas, mas de contas pessoais, o que caracteriza censura prévia. Como o ministro pode prever  o que as pessoas publicarão no futuro?

A plataforma X, reconhecendo ilegalidades nos pedidos de remoção de conteúdo, começou a desbloquear contas  e solicitar o que diz a lei, que uma ordem judicial de remoção de conteúdo deve conter, sob pena de nulidade, identificação  clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material. Na ordem  dada do STF ao X, não há qualquer identificação de conteúdo infringente, apenas uma lista de nomes de perfis que devem  ser bloqueados com base numa decisão sigilosa. Silencia sem dar qualquer justificativa clara diversas pessoas sem processo  com trânsito em julgado, e sem dar o direito ao contraditório e a ampla defesa prevista no Marco Civil da Internet e que é  um direito consagrado na lei brasileira.

Por apontar as ilegalidades e descumprir ordens ilegais, o X foi multado e representantes de seu escritório no  Brasil foram ameaçados de prisão. Para proteger essas pessoas, o X encerrou suas operações no Brasil em 17 de agosto de  2024, porém mantendo o site e a aplicação disponíveis ao brasileiros. Alexandre de Moraes não se deu por vencido e  continuou suas ações para que suas ordens de censura fossem cumpridas. Justificou com uma interpretação deturpada do  Código Civil que toda empresa estrangeira com seus sites e aplicações disponíveis no Brasil necessitam de representante  legal no país, ameaçando banir o X caso não fosse nomeado um representante em 24 horas. Curioso é que outros sites e  aplicações, incluindo o Bluesky, concorrente do X que está plenamente disponível no Brasil, não possui representante legal,  e os mesmos que aplaudem o banimento do X, justificam que o Bluesky não tem personalidade jurídica no Brasil, sendo  apenas um site estrangeiro, logo não necessita de representante legal. Mas é exatamente o mesmo caso do X!

O ministro Alexandre de Moraes também alega que o X quer interferir nas eleições municipais brasileiras deste  ano, permitindo em sua plataforma discursos que seriam uma grande ameaça à democracia. Entretanto recentemente um  dos candidatos à prefeitura de São Paulo, que está empatado em primeiro lugar nas pesquisas, teve perfis bloqueados nas  redes sociais. Como que impedir um candidato de fazer sua campanha, enquanto seus adversários podem, é defesa da  democracia? Onde está a imparcialidade e o livre debate de opiniões divergentes?

Por isso, não podemos permitir que se criem exceções à liberdade de expressão, nem mesmo “discurso de ódio”,  algo muito subjetivo, e que já foi usado mais de uma vez para calar qualquer tipo de crítica aos poderosos. E quanto às fake  news, só há um remédio: a divulgação da verdade. Quando damos ao Estado o poder de controlar a informação, ele pode  usar do seu poder para censurar o que quiser, até mesmo verdades que não lhe convêm. A única garantia de que a verdade  jamais será censurada é com a liberdade de expressão absoluta, que devemos defender para todos, da extrema esquerda à  extrema direita. A defesa da liberdade de expressão é posta à prova justamente quando temos que defender opiniões  completamente contrárias às nossas. Porque se hoje uma opinião que não concordamos é censurada, amanhã pode ser a  nossa, e pode ser tarde demais para protestarmos.

Termino deixando um texto de Bertolt Brecht (1898-1956) para reflexão:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.