A COP 28 assinalou o último mês do ano e também a história destas organizações sobre o clima a nível global. Pela primeira vez, foi assumido pelas partes o compromisso de diminuição da utilização de combustíveis fósseis. Esse compromisso inédito permitiu uma “saída limpa” do nosso e de vários países presentes no Dubai. Foi este compromisso que evitou a conclusão de que, uma vez mais, tudo se discute e nada se decide. Mas esta “saída limpa” faz-nos lembrar uma outra bem conhecida de Portugal: a ocorrida após o período de intervenção da troika. No final, todos aplaudimos, ficou garantido o sucesso mediático e imediato, mas em ambos os casos, não ficou tudo feito simplesmente porque saímos bem.
A saída de Portugal do período de intervenção do FMI, BCE e CE, significou que as portas ficaram abertas para a reestruturação da Economia, uma postura mais séria e responsável relativamente à divida pública e uma atitude mais realista perante o desafio da produtividade face aos anseios e direitos dos trabalhadores, ou seja, para um conjunto de reformas que, em alguns casos, já o sabemos hoje, ficaram por fazer. No caso da COP 28, a saída limpa conseguida pelo compromisso dos 198 países para uma “transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir emissões líquidas zero até 2050, de acordo com a ciência” abriu a porta para a entrada de uma série de reestruturações que devem ser feitas. E é esse o nosso ponto, especificamente no que respeita à área da Alimentação, destacando o agroalimentar na União Europeia e, dentro dela, em Portugal.
De facto, as alterações climáticas – aquecimento global, eventos extremos como secas e cheias – estão relacionadas (também) com o setor agroalimentar, não só porque, como alguns dizem, são consequência desta atividade, mas também, e sobretudo, porque condicionam sobremaneira a capacidade produtiva deste setor, do qual dependem oito mil milhões de pessoas para se alimentarem. O setor tem assim, e por várias razões, todo o interesse em conter os efeitos destas alterações e em reduzi-las ao máximo. E a Europa e Portugal estão a trabalhar nesse sentido. Para sermos parte da solução.
Na Europa estão já ser implementadas diversas iniciativas inerentes ao Pacto Ecológico Europeu e à Estratégia do Prado ao Prato, neste âmbito, talvez as mais significativas sejam as metas fixadas, algumas não vinculativas, para a redução das emissões, embalagens e plástico, redução da utilização de pesticidas, de adubos sintéticos e da desflorestação e aumento da biodiversidade. Portugal é, também, um dos 134 países signatários da Declaração dos Emirados sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática assumida durante a COP 28 e cujos objetivos estão claramente definidos: escalar as atividades e respostas de resiliência e adaptação de forma a reduzir a vulnerabilidade dos agricultores; promover a segurança alimentar e nutrição ao aumentar os esforços de apoio das populações vulneráveis; apoiar os trabalhadores agrícolas, cujos rendimentos estão ameaçados pelas alterações climáticas, fortalecer a gestão integrada da água e maximizar os benefícios climáticos e ambientais associados à agricultura. Por aqui se entende que os agricultores, e o setor agroalimentar, devem ser protegidos e apoiados em políticas públicas robustas e inclusivas, em vez de diabolizados. Também se entende e aplaude, a própria existência desta Declaração, pois demonstra que o Agroalimentar é um dos setores com mais importância estratégica nos tempos difíceis que nos esperam.
Assim sendo, tal como após a saída limpa de Portugal da intervenção da troika, também a saída limpa da COP 28 deve impelir os Estados a entrarem num rumo de ações que permitam concretizar os compromissos aí assumidos. Com impacto para o nosso País, temos vários dossiês em cima da mesa na União Europeia: avançar com a assinatura do acordo do Mercosul, tendo em consideração que as exigências produtivas devem ser tão elevadas para a Europa como para quem com ela faz negócio; definir as metas concretas a atingir relativamente aos sistemas alimentares sustentáveis ou à utilização de energias renováveis nos próximos 12 meses; clarificar o dossiê das cadeias livres de desflorestação que exigem respostas em 2024, tendo em vista a implementação da legislação a partir de 2025; reforçar a necessidade das Novas Técnicas Genómicas como ferramenta inovadora que permite responder aos desafios da sustentabilidade e que foi bloqueada em votação pela abstenção da Alemanha e da Bélgica, esta última que vai ocupar a presidência da União Europeia a 1 de janeiro de 2024, e pelos votos contra de Polónia e Hungria, sendo a Hungria a líder dos destinos da Europa no segundo semestre do próximo ano. A juntar a tudo isto, a discussão sobre a reforma da PAC pós-27 – absolutamente necessária com a abertura das negociações à Ucrânia e Moldova – que, valha a verdade, parece já ter-se iniciado em Bruxelas e com a novidade de incluir, além da DG AGRI, a DG SANTE, DG CLIMA e DG ENVI, demonstrando a centralidade do tema para as várias áreas de ação política. Constitui igualmente uma resposta às recentes declarações da Presidente da Comissão Europeia de lançar um debate, inclusivo e de cidadania, sobre o futuro da Agricultura.
Em Portugal, o Governo que resultar das próximas eleições legislativas de 10 de março deve ter esta questão em atenção e deve dar-lhe o peso político consentâneo com a sua relevância social. Tendo participado da saída limpa da COP deve, igualmente, entrar num caminho de ações concretas de desenvolvimento e apoio ao setor agroalimentar para que seja viável a transição, sem deixar ninguém para trás.
Depois, além de nós, existe mais mundo. É necessário que metas claras sejam assumidas pela China, pelos Estados Unidos e pelos países do Mercosul e que prazos concretos para o fim dos combustíveis fósseis comecem a ser aventados, tal como a implementação de alternativas energéticas viáveis.
A realização da COP29 no Azerbeijão não pode significar um recuo nestes objetivos, mas tudo vai depender da evolução da economia. Já o sabemos, porque tem sido assim nos últimos anos.
Neste final de ano, desejamos que as boas saídas da COP 28, se tornem em ainda melhores entradas, através da implementação de ações concretas que permitam aos agricultores portugueses e europeus continuarem a produzir os alimentos de que todos necessitamos. Com equilíbrio entre ambiente e segurança alimentar.