No dia 24 de fevereiro, celebrámos, infelizmente, um ano de guerra provocada pela invasão da Ucrânia, numa Europa que julgávamos civilizada e de Paz, em pleno século XXI. Já não nos lembrávamos do que é a dificuldade de muitas famílias na aquisição de alimentos.

Como consequência da pandemia e do conflito da Rússia contra o Ocidente, as opiniões públicas estão hoje mais conscientes de que o acesso à alimentação a custo acessível não é mais um dado adquirido. Existem muitas ameaças a ter em conta neste mundo claramente bipolar e cuja influência se desloca para o Leste, na Europa, e para o indo-pacifico, a nível global.

Não tenhamos ilusões: o tempo da alimentação barata já estava a terminar antes da guerra e esta vem colocar-lhe um fim definitivo, sobretudo porque não estamos a saber retirar deste período algumas lições essenciais.

Enquanto membros da ONU, a escassos dias de terminar o Acordo do Mar Negro atualmente em vigor, continuamos expectantes relativamente à renegociação do próximo período de mais 120 dias que pode continuar a dar acesso aos cereais oriundos dos territórios em conflito, o verdadeiro celeiro da Europa. O insucesso provocará o agravamento da fome nos países africanos – cada vez mais influenciados pela Rússia? -, o aumento do preço dos cereais no mercado mundial, e assim, um novo agravamento dos preços da alimentação neste continente em que vivemos.

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No quadro da União Europeia (UE) deveríamos ter já percebido o binómio “tempo-dinheiro”. A transição para uma “produção verde” exige o domínio de uma destas variáveis. Para fazer depressa com pouco investimento público oneram-se os consumidores. É o que está a acontecer. Também já deveríamos saber que integrar políticas é reduzir custos de contexto, o que é uma miragem quando temos na UE, pelo menos, três entidades – DG AGRI (agricultura), DG SANTE (saúde e consumidores) e DG ENVI (Ambiente) – a tomarem decisões que impactam o Mundo Rural sem que exista, a nível europeu ou nacional, um único organismo com responsabilidade de as integrar num quadro inteligível para os agentes do setor agrícola. Também no Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) alguns apoios não estão a ser bem direcionados: impõem, por exemplo, que ajudas à armazenagem e à criação de stocks, só podem ser efetivas quando as trocas se efetuam entre Estados-membros, mesmo que os cereais que importamos sejam maioritariamente provenientes de países terceiros. Mas, vale a pena dizer, importamos cereais porque não os podemos produzir e alguns deles, nos nossos fornecedores, com recurso à ciência. A UE colocava, até 7 de fevereiro, todas as técnicas genómicas dentro do saco dos OGM, cuja legislação é muitíssimo restritiva. Outro dos impactos do conflito foi o de, como alternativa à origem ucraniana, estarmos agora a importar mais cereais da América do Sul e do Norte que têm regras de produção, nomeadamente ao nível dos pesticidas e fertilizantes, muito menos exigentes que as europeias. Avaliadas as circunstâncias, não deveríamos ser mais entusiastas com o facto de que, finalmente, algumas técnicas genómicas poderão estar fora da legislação OGM?

Aparentemente, a guerra ainda não nos demonstrou o valor de termos alimentos disponíveis e alguém disponível para os produzir.

Sim, porque a sustentabilidade tem de ser ambiental, mas também económica e social. Sem empresas viáveis simplesmente não existe sustentabilidade.

Enquanto país já deveríamos ter aprendido a lidar com a elevada dependência de matérias-primas essenciais para produzir alimentos, em particular de origem animal. Situações como as recentes greves na SILOPOR, empresa em liquidação, à espera de um “futuro” há mais de 20 anos e estratégica para o agroalimentar em Portugal, não abonam a nosso favor. Demasiados anos de incerteza, instabilidade, desinvestimento, de deriva, e um período crítico ao longo deste ano de guerra, com acesso ainda mais dificultado a matérias-primas, não deveriam ter precipitado o enunciar de uma solução? Não deveríamos estar a trabalhar para aumentar a capacidade de armazenagem? A PARCA, uma estrutura de acompanhamento que deveria articular os diversos agentes económicos da área da alimentação, não deveria deixar de ser parca em reuniões e em resultados?

Aqui chegados, se queremos continuar a alimentar as populações a preços acessíveis é necessário lembrar, pelo menos, três lições que (parece) ainda não termos aprendido com a guerra.

  1. Continua a faltar-nos uma maior articulação entre diferentes áreas governativas para reduzir os custos de contexto e criar políticas integradas, em conversação com os agricultores, empresários, e as suas organizações representativas.
  2. Uma vez que a inflação continuará por aí, muitos dos custos não irão ser reduzidos, pelo que há que apostar em políticas públicas de apoio às empresas e famílias.
  3. A Ciência é um forte aliado em várias áreas da nossa existência, aliás como ficou provado no combate à pandemia, e também o é no que respeita à alimentação. Deve ser utilizada para melhorar plantas, produzir mais alimentos e não para desenvolver carne de laboratório, uma das grandes ilusões para uma agricultura mais sustentável.

Muitas mais lições podemos retirar, mas, certamente, a principal é a de que temos de ser mais autónomos e soberanos, menos dependentes, valorizar a produção nacional e a Alimentação. Porque esta não está adquirida, muito menos garantida.

Infelizmente, temos dúvidas de que os decisores políticos, em Portugal ou em Bruxelas, tenham compreendido verdadeiramente o que está em causa.