Um dos temas recorrentes em épocas de campanha eleitoral é o do financiamento dos partidos. Afinal, além de contarem com a subvenção estatal prevista na lei, como é que os partidos financiam as suas campanhas? Quem são os principais doadores? De onde vem o dinheiro? Recentemente, a diplomata Ana Gomes abordou o tema no Twitter, concretamente a dificuldade de identificar as doações recebidas pelos partidos, sobretudo quando são utilizados como meio de pagamento as referências multibanco e o MBWay.

As questões são pertinentes, uma vez que todos concordamos que conhecer a origem dos financiamentos contribui para uma maior transparência e ajuda a cimentar a confiança dos cidadãos no sistema político.

Mas não é apenas na política que a transparência emerge como um pilar essencial para o bom funcionamento do sistema. Também no mundo empresarial e financeiro, a confiança alcança-se pela adoção de práticas e processos clarificadores e transparentes. Só através do conhecimento da origem dos fluxos de dinheiro e de uma maior partilha de informação conseguiremos debelar os problemas relacionados com o branqueamento de capitais ou o financiamento ao terrorismo – que surgem como ameaças crescentes à democracia moderna.

Para combater estes problemas precisamos das ferramentas adequadas. E é aqui que esbarramos contra um muro que urge derrubar. Apesar da lei nº83/2017 definir um exaustivo conjunto de medidas e obrigações de combate ao branqueamento de capitais e de termos uma regulação forte e exigente, os instrumentos que as instituições financeiras têm ao seu dispor para ajudar a identificar e a combater os fluxos de dinheiro ilícitos são arcaicos. É como se estivéssemos a enfrentar um inimigo sofisticado usando uma simples espada de madeira.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Num contexto pautado por rápidas transformações e pela crescente sofisticação dos esquemas usados em burlas e operações de branqueamento de capitais é, pois, crucial dotar as instituições dos instrumentos adequados para fazer cumprir a lei. E para isso não é necessário “inventar a roda”, basta implementar duas simples medidas.

Em primeiro lugar, considero fundamental definir como regra a disponibilização da informação relativa ao IBAN e ao número de identificação fiscal (NIF) do ordenante e do destinatário de qualquer movimento financeiro. Esta questão é particularmente importante, uma vez que a maioria das transações em Portugal tem por base referências multibanco, que dificultam a identificação dos beneficiários destas operações. O mesmo acontece com as transações feitas através do sistema MBWay. Com o acesso a estes elementos (IBAN E NIF), o sistema financeiro conseguiria identificar mais rapidamente as operações suspeitas de lavagem de dinheiro.

Em segundo lugar, a realização de um match entre um IBAN e o NIF do destinatário de uma transferência bancária é também uma forma de conferir uma maior segurança nas transações financeiras. Desta forma, garantimos que ao fazer uma transferência estamos a entregar o dinheiro à pessoa/entidade certa. Este serviço já é utilizado pela Autoridade Tributária e seria interessante disponibilizá-lo de uma forma mais abrangente em Portugal, pois é um instrumento importante no combate a burlas e ataques cibernéticos.

Estes são apenas dois exemplos de medidas simples que permitiriam acabar com a opacidade verificada em algumas tipologias de movimentos financeiros, proteger os consumidores e empresas de burlas e esquemas fraudulentos, detetar operações suspeitas de branqueamento de capitais e, em última instância, fomentar a confiança dos cidadãos.

Sim: é certo que a implementação destas medidas implica um investimento na adaptação dos sistemas de reporte financeiro. Sim: vai levar tempo para que estes instrumentos estejam operacionais. Mas parece-me incontornável começarmos já hoje a trabalhar no desenvolvimento de soluções que melhorem a transparência do sistema financeiro e protejam os cidadãos.