O antigo presidente Fernando Henrique Cardoso esteve em Lisboa no fim-de-semana passado e, além de participar no debate organizado pela FFMS sobre «a actual natureza do poder», deu uma entrevista à RTP3 à qual tive oportunidade de assistir ao vivo. Entretanto, FHC, como é conhecido, publicou um curto artigo no jornal «O Estado de S. Paulo», onde foi o primeiro a reflectir no tipo de oposição que deverá ser movida contra o futuro governo do presidente-eleito Bolsonaro e, concomitantemente, contra o Partido dos Trabalhadores (PT), o qual se prevê que assuma a sua própria oposição de antigo governo frente a Bolsonaro.
Para quem como eu acompanha a carreira de FHC há exactamente 40 anos, estava ele então exilado em Inglaterra depois de fugir às sucessivas ditaduras brasileira (1964) e chilena (1973), é importante recordar quem é este antigo professor de Sociologia. Adversário da ditadura, foi exilado durante década e meia e, posteriormente à democratização do regime, nos anos ’80, fundou o Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), foi senador, ministro das Finanças e, finalmente, Presidente da República desde 1995 até ao final de 2002, sempre eleito à primeira volta. De então para cá não deixou de animar a sua Fundação e de intervir por actos e palavras na vida política brasileira e internacional, visitando frequentemente Portugal!
Na última eleição presidencial, que viu ganhar um candidato tão improvável como o ultra-reaccionário Jair Bolsonaro, deputado do micro-pequeno Partido Social-Liberal (PSL), FHC distinguiu-se das «esquerdas» brasileiras declarando não apoiar qualquer dos dois candidatos mais votados no primeiro turno da eleição: nem o dito Bolsonaro (46%) nem Fernando Haddad (29%), o qual fora investido como candidato do PT pelo antigo presidente Lula a partir da prisão de Curitiba, onde se encontra a purgar pena decretada pelo juiz Sérgio Moro, o qual, por sua vez, anunciaria pouco depois que seria o super-ministro da Justiça do presidente Bolsonaro…
O PT e grande parte dos seus apoiantes criticaram FHC pela sua tomada de posição, incluindo entre o público português, quando fora Lula a afastar desde o início a possibilidade – virtualmente vencedora segundo as sondagens da altura – de Haddad desistir a favor do terceiro candidato, Ciro Gomes, antigo ministro independente de um dos governos do PT. Instalou-se então, definitivamente, uma campanha de ódio entre «esquerda» e «direita», de tal modo que as empresas de sondagem de opinião passaram a dar mais importância à rejeição dos eleitores perante cada um dos candidatos do que à percentagem de apoiantes. Ao cabo quase de 15 anos de dominação do PT, a vitória coube à direita e que direita!
Na entrevista que deu sábado passado em Lisboa, FHC respondeu mais uma vez por que motivos não apoiou o candidato do PT nem, obviamente, Bolsonaro, recordando as importantes divergências que teve com o PT desde o tempo em que ele próprio era Presidente da República e, mais tarde, quando Lula lhe sucedeu. Referiu-se aos processos de corrupção em que o PT se envolveu desde o «Mensalão» ao Lava Jacto, bem como à «falta de visão contemporânea» da presidente Dilma, que continuou agarrada ao assistencialismo praticado pelo partido. A terminar, FHC chamou a atenção para a virtual dissolução dos partidos com o acesso de 27 deles ao Congresso, reduzida como está a maioria deles aos seus interesses corporativos.
Quase simultaneamente, o antigo presidente publicou o primeiro apelo pós-eleitoral a um «centro radical» que mobilizasse os vários grupos partidários, incluindo o PSDB, susceptíveis de se opor ao novo governo a partir de 1 de Janeiro do ano que vem, ao mesmo tempo que se demarcava da confrontação ideológica entre o PT e Bolsonaro já utilizada por ambos durante a campanha eleitoral. Segundo escreve, trata-se de não «ficar espremidos num “centro amorfo”» e sim de «recolocar nos trilhos o sistema eleitoral e partidário, que afundou na corrupção, na fragmentação e na perda de conteúdo programático». Em vez disso, preconiza «um “centro radical”, o que implica ser firme na preservação dos direitos civis e políticos, propondo uma sociedade não excludente e justa, sem conservadorismo». Para FHC, esse “centro progressista e radicalmente democrático deve incorporar ao seu credo uma visão mais liberal, sem medo de ser tachado de “elitista” ou “direitista”, mas que não se confunda com a fisiologia dos “centrões”»!
Apela assim às alianças políticas e sociais, perguntando a terminar: «Que movimentos e partidos poderão materializar um radicalismo de centro?». Ora sucede, que à mesma hora, outros actores políticos, como o ex-candidato à presidência Ciro Gomes e vários pequenos partidos, anunciaram a intenção de se mobilizar num sentido semelhante ao tipo de oposição proposto por FHC e, ao mesmo tempo, distinto da mobilização que o PT tem feito até aqui. Ainda não é uma decisão mas pode ser o início de uma oposição eficaz ao futuro governo e reconhecida pela sociedade brasileira.