Sempre era verdade que as estimativas de vitória do Partido socialista nas eleições europeias eram muito exageradas e que o castigo severo prometido à coligação governamental foi muito menor do que os meios de comunicação social e as sondagens anunciavam, assim como aquilo que vaticinavam todos os partidos da oposição. Há inúmeras interpretações para isso mas a prova insofismável é a briga pela liderança do PS que os resultados provocaram imediatamente.

Ainda a poeira eleitoral não assentara e mal o primeiro-ministro gentilmente concedera a derrota, já António Costa se declarava pronto a assumir a chefia do PS, responsabilizando portanto o secretário-geral António José Seguro pelos fracos resultados obtidos pelo partido de ambos. Prontificava-se assim a levar o PS a uma vitória concludente nas eleições legislativas do ano que vem. Omitiu porém, até agora, o que entende por uma vitória concludente. Evitou comprometer-se com a promessa de maioria absoluta e, obviamente, não mencionou com que partido ou partidos poderia aliar-se para formar governo caso não obtivesse tal maioria. Pareceu negar aliar-se com o PSD mas não o disse claramente. Muito menos anunciou o que pretenderia fazer de concreto se e quando fosse primeiro-ministro, a não ser uma invocação da improvável “reestruturação da dívida”.

Por outras palavras, António Costa abriu uma crise de carácter pessoal no seio do principal partido da oposição com base, essencialmente, no seu perfil mediático superior ao do seu rival. Pelo seu lado, Seguro respondeu que se mantinha como o líder do PS mas aceitava o repto de António Costa, propondo-lhe um método de escolha nunca aplicado em Portugal: as tais “primárias” abertas não se sabe bem a quem e que levarão tempo a pôr em prática se jamais lá chegarmos…

Entretanto, estas “primárias” começam por complicar a cotação externa do país. Quanto à nossa situação política, foi posteriormente agravada pela nova intervenção do Tribunal Constitucional nas contas públicas, o que irá com certeza custar-nos ainda mais “cortes”. Não sabemos como as coisas evoluirão no médio prazo, mas para já tudo se complicou e só os noticiários ganharam algo. Tudo isto numa altura em que o eleitorado acabara de manifestar – esse sim, de forma concludente! – quão farto está da política partidária. Pudesse o país viver sem governo e essa seria a opção de inúmeros eleitores!

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Esta nova crise do sistema partidário – tão grande ou maior do que a do Verão passado e sem a possibilidade de ser arbitrada, atabalhoadamente que fosse, pelo Presidente da República – demonstra, se necessário fosse, que não há “reforma do Estado” nem emenda do país sem uma profundíssima revisão dos actuais princípios constitucionais pelos quais a nossa democracia pretende reger-se mas não consegue. No Verão passado, o PS não deu margem a António José Seguro para aceitar a proposta do PR de fazer um “pacto” com os partidos do governo para o cumprimento do memorando assinado pelos três (PS, PDS e CDS) com a promessa de marcar eleições mais cedo.

Toda a gente percebeu então que essa recusa, desbaratando a oportunidade oferecida pelo PR, vinha da parte dos antigos ministros e deputados da era Sócrates. Estes tinham começado por entrar em negação perante a bancarrota e agora pretendem negar as suas enormes responsabilidades na vinda da “troika”, ou seja, em todas as políticas de cortes prosseguidas desde antes de 2011. E nada se ouviu em contrário desde então. O bloqueio do sistema partidário tornou-se completo mas os eleitores, aparentemente, continuam a não querer fazer uma escolha entre os partidos. Pela negativa, rejeitam-nos a todos. Não dá maioria nem à “direita” nem à “esquerda”, a não ser que o PS encare agora a possibilidade de governar com apoios pontuais do PCP, como já se ouviu…

Sem estabelecerem plataformas claras e diferenciadas quanto àquilo que farão exactamente se porventura chegarem ao poder, nem Seguro nem Costa conseguirão afastar a ideia de que a actual disputa pela liderança do PS é uma briga pessoal sustentada nos perfis mediáticos atribuídos pela comunicação social a cada um deles. No caso, por ora improvável, de algum deles chegar à chefia do governo, esse efeito mediático arrisca-se, como sempre tem sucedido, a ser desfeito pela mesma comunicação social e os eleitores ver-se-ão reconduzidos à mesma indiferença pelo irrealismo das propostas eleitorais.

Se é que os efeitos mediáticos não se dissolvem antes. É o que poderá acontecer se a briga partidária, ontem oculta, hoje promovida a salvação da pátria, se transformar num feio despique de personalidades. Não é de excluir que os mesmos factores que continuam a jogar contra o actual primeiro-ministro dentro do próprio PSD e da sua área ideológica, por razões sociais e culturais que se adivinham facilmente, estejam agora a ter um efeito semelhante contra Seguro. Serão as piores razões para fazer uma escolha destas num tempo com tão poucas opções de fundo como são os actuais.