Lá se diz em bom português, que “cada um tem o que merece”. Esta será mais uma das muitas expressões que, juntando-se a ditados populares e aforismos vários, caracterizam a trágica condescendência a que nos remete uma espécie de auto-flagelo trágico-cómico da nossa auto-percepção enquanto unidade nacional. Por meio de expressões como esta, confirmamos a crença na validade inquestionável dos sábios ensinamentos do bom povo. Desta forma, dotamo-los desta versão de infalibilidade popular que não se devia contestar, assim adicionando uma componente cultural que enforma toda a educação colectiva dos portugueses. E, se umas vezes o faz virtuosamente, outras há em que o faz imprimindo-lhe os piores vícios e defeitos.

E lá vamos ensinando, por exemplo, “as virtudes” da apropriação individual com expressões como “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte”. Ou, que “pagar e morrer, o mais tarde que puder ser”. Desconfio que o primeiro é um dos ditados favoritos dos nossos muitos indiciados e dos poucos condenados por corrupção. Suspeito que deveria ser, também, a senha de entrada no clube dos testas-de-ferro do BES e outros depositários e beneficiários da proverbial cultura trapaceira nacional. Entusiastas também do segundo ditado, pouco nos espantou, portanto, quando eles, mas também o sr. Sócrates, filho de uma mãe rica, nos explicaram todos, televisivamente, que “as dívidas não se pagam”. As deles, pois claro!

Mas, “por que carga d’água” é que devemos continuar a ensinar este tipo de expressões como sendo virtuosas? Porque são populares, assim as dizendo “o bom povo”? Para termos a segurança de uma frase sempre a propósito de qualquer infortúnio que nos aconteça ou de malandrice que se faça? Se não existe ainda, sugiro um interessante tema de dissertação em sociologia ou antropologia social: o papel das expressões populares justificativas de uma malandrice nacional a que, eufemisticamente, cunhamos (popularmente, lá está) como “chico-espertice”. Como se, por existir um ditado popular, se encontrasse uma simpática e aceitável explicação para os desvios à ética e às normas, assim tornando-os social e culturalmente mais aceitáveis, porque tão portugueses!

Voltando à expressão inicial deste texto, “cada um tem o que merece”. Com ela, parecemos descarregar na realidade do nosso quotidiano a justificação para os males que nos acontecem (pois que para os benefícios, preferimos concluir que “quem não arrisca não petisca”, até que alguém nos desmotive dizendo, no sentido que lhe for mais conveniente, que “não há mal que sempre dure, nem bem que não acabe”).

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Reportando-nos à interminável pandemia actual, aprendemos a medi-la por dois critérios principais: o do número de infectados por 100 mil habitantes e o do grau de transmissibilidade. Este último, gerando um incomensurável número de especialistas, integrou a nossa cultura nacional como o R(t), sendo o t desejável que seja inferior a 1. Quando corre bem, é porque contribuímos todos para a redução da transmissibilidade. Somos os melhores! Da Europa e quiçá do mundo! Imbatíveis! Damos mundos ao mundo! Portuguese do it better, Portugal rules e por aí fora. Quando corre mal, isto é, quando o t do R(t) sobe acima de 1 e o número de casos dispara, somos os piores. Do mundo! E, claro, porque “temos o que merecemos”, somos uns incivilizados, um povo atrasado e retrógrado que mal se desconfina um pouco logo desatamos aos beijinhos e abraços em impensáveis agrupamentos, comemorações, festas e encontros. Merecemos, portanto, este R nacional!

Ora, sendo o PSD o mais português dos partidos (para alguém mais novo, com a pachorra de ler este texto e a resistência para chegar até aqui, saiba que assim se dizia!), não podíamos deixar de ter também o R que merecemos. O nosso próprio R que, para diferenciar do R(t), teria de ser o R(r). Se o país tem o Rácio de Transmissibilidade (Rt) que merece, nós temos o Rui Rio (Rr) que merecemos.

Quando apareceu, inchado pelas inegáveis e justas bravatas portuenses a que aplaudimos (quase) todos, era uma aposta de futuro, de seriedade, de retoma do centro e dos valores tradicionais do PSD, da política séria do “Primeiro Portugal”. Era o nosso candidato a Primeiro-Ministro (como se em Portugal alguém votasse para semelhante cargo), que traria para a política portuguesa a seriedade que ela merece. À medida que o tempo passava, as adjectivações naquele sentido foram caindo. E foi-nos restando um Rui Rio sem capacidade de fazer uma justa e digna oposição, sem as qualidades que se esperam do líder do PSD, o líder que poderia ser medido por uma taxa de ineficácia. O nosso Rr. Mas, daí até dizer que temos o R que merecemos?

Precisamente por ser crítico daquela inevitabilidade do trágico fado nacional que conduz às expressões condescendentes das nossas piores características, sempre achei que devíamos contrariar esse destino da forma que cada um de nós melhor pode e sabe. Se as coisas estão mal, em vez de nos lamentarmos pelo triste destino que a história dos povos nos concedeu, em vez de esticarmos a mão a pedinchar, em vez de apenas nos insultarmos nuns momentos e nos abraçarmos noutros a cantar baladas sentimentais, havíamos de agir. Nas poucas vezes que o fizemos, tivemos sucesso! Por isso, em vez de só me lamentar pela tristeza do meu partido ser incapaz de desempenhar o papel que dele se exige, sendo oposição eficaz, mostrando como se deve fazer como alternativa forte de futuro, tratei de me levantar e dizer que não. Que não podíamos ficar de braços cruzados a assistir a mais um trágico faduncho (perdoem-me os aficionados do fado, de que também gosto, mas no seu contexto de entretenimento e manifestação cultural e não como inspirador desta permanente morbidez e pessimismo nacionais). Que, se as coisas estão mal, então convoque-se um Congresso Nacional Extraordinário do partido para exigir que se aprove uma estratégia de actuação objectiva e bem delineada para o futuro. Para que nós, os militantes do PSD, nos recusássemos a assistir impávidos à destruição da capacidade e competência do PSD para governar Portugal e forçássemos a direcção nacional a prosseguir a moção de estratégia que se aprovasse.

Tendo já recolhido apoio de militantes inconformados com o actual estado do PSD, através do site www.psd-congresso.com, tenho, no entanto, esbarrado vezes de mais com as mais passivas objecções: que não é o tempo certo para se marcar um congresso (ora, se é extraordinário é porque é fora de tempo), que se fosse depois das autárquicas sim, mas antes não (assim fazendo depender de uma estratégia de  mero oportunismo político), que não querem actuar sem o fazer com esta ou aquela facção (assim colocando agendas pessoais à frente do interesse geral), que sou um desconhecido militante de base (assim contrariando a alegada procura de novas intervenções), enfim, alegando tudo e o seu contrário para não actuar, para não reformar, para manter tudo na mesma até à derrota final! Como diriam os filhos da minha geração, OMG e LOL (Oh my God e laughing out loud, que hoje as expressões, quando dão jeito, são também anglófonas – e por siglas e acrónimos), afinal parece que sempre será verdade que “cada um tem o que merece”!

Ai sim? Se comecei por criticar os ditados e expressões populares e idiomáticas portuguesas naquilo em que desvirtuam uma educação que se devia querer virtuosa? E acabo a ser forçado a concordar com elas? Que “cada um tem o que merece”, e nós, porque nada fazemos, temos o Rr que merecemos? Não. Não pode ser! Recorra-se antes a “semeia e cria, terás alegria”, ou qualquer outro do género! Procure-se uma expressão de alento e encorajamento à mudança, de esperança no futuro. Ou não se procure expressão nenhuma e arregacem-se antes as mangas. Reúnam-se os inconformados com a passividade, ineficácia e falta de objectivos de rasgo que façam do PSD o motor para a mudança de Portugal. Tratemos, pois, de continuar a exigir um Congresso Extraordinário, em www.psd-congresso.com! Antes que seja tarde demais.