Caríssimo Prof. Marcelo, desde o princípio me escuso de o tratar pelo título inerente à Chefia de Estado, motivado na distinção que faço – talvez até de forma mais eficaz que V/Exa. – entre a personalidade política que é e o cargo que preenche.

A comunicação que lhe dirijo tem como fundamento a minha tristeza, não só para consigo, mas, principalmente, comigo próprio que, na despreocupação e descuidado dos meus vinte e um anos, depositei em si – no ano de 2016 – a confiança para exercer os bons ofícios de Presidente da República.

Após aquela eleição, julgava, com esperança aliada à inocência da idade, que sendo V/Exa. alguém eruditamente superior aos olhos da generalidade dos portugueses, fosse capaz de alterar o paradigma da nossa sociedade. Contudo, o pós-eleição trouxe-nos a antítese exata daquilo que se perspetivava, passamos da formalidade conexa ao cargo aos banhos de primeiro dia do ano, às selfies e aos cortes de cabelo em direto nos noticiários de horário nobre.

Apesar de não me rever neste tipo de comportamentos, aos quais a maioria dos eleitores não hesita em apelidar de fantochada, os referidos não eram bastantes para que o considerasse prejudicial ao quotidiano dos portugueses, pensando que se tratava de mera estratégia e propaganda política com vista à manutenção dos níveis de popularidade.

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O busílis da questão é que não ficou por aqui, e quando conseguiu a segunda eleição – desta já não me sinto tão culpado – começou, lamentavelmente, a extravasar o limiar da razoabilidade, acabando por o fazer uma série de vezes.

Muitos podem já se ter esquecido, porém ainda me recordo das suas constantes contradições sobre o caso de Tancos.

Também recapitulo a ocasião em que, a respeito do Mundial do Qatar e dos direitos humanos proferiu “O Qatar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal…, mas, enfim, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa. Começámos muito bem e terminámos em cheio.”

Não me encontro perto de esquecer o momento em que, com referência às vítimas de abusos sexuais na igreja afirmou que “Haver 400 casos de abusos não me parece particularmente elevado”. Professor, 400 casos de abusos sexuais de menores, para além de elevados, são sempre 400 casos a mais daqueles que deveriam existir!

Dificilmente me olvidarei da altura que o representante diplomático da Palestina em Portugal ouviu de V/Exa. que foram eles que começaram.

E, ainda menos me vou deixar de lembrar – eu e os remanescentes portugueses – da polémica em torno do alegado favorecimento no caso das gémeas luso-brasileiras, que, segundo a informação trazida a público, parece ter contado com a intervenção do Dr. Nuno Rebelo de Sousa e de V/Exa.

Esta componente social foi desastrosa o suficiente para que, muitos daqueles que numa primeira instância vissem em si um político de primeira linha, começassem a nutrir total descrédito e repulsa pela classe política na sua generalidade. Deixando de se convencer pela moderação, que tão necessária é a qualquer governação, e passando-se a aliciar pela antagónica imponderação do vale tudo na política.

Para o presente ano apenas se encontrava agendado um único ato eleitoral, ainda não terminamos o primeiro trimestre do ano e já tivemos (1) eleições na Região Autónoma dos Açores, na (2) Região Autónoma da Madeira existe um governo de gestão mostrando-se presumida a marcação de eleições, na (3) globalidade do território nacional as legislativas verificaram-se inconclusivas, podendo assim resultar em (4) nova ocorrência e para 9 de junho temos as únicas que se calendarizam com a devida antecedência, (5) as europeias.

Ao dia de hoje, após dissolver o parlamento por duas vezes em dois anos – independentemente das razões para tais atos – deparamo-nos diante duma situação de ingovernabilidade política e tal não se deve a Montenegro, a Ventura ou P. Nuno Santos, deve-se principalmente a V/Exa. porque permitiu que aqui chegássemos e, principalmente, porque traiu a confiança dos portugueses.

Começou o primeiro mandato como Presidente do povo e dos afetos, deixar-nos-á num estado de instabilidade política imemorável.