Exmos. Senhores, caros leitores,

Sou professor em início de carreira com qualificação profissional e portador de deficiência física incapacitante num grau de 68%. Ao preparar o concurso externo deste ano, a primeira vez que o faço, deparei-me com uma situação que considero de difícil compreensão e altamente discriminatória, contrariando a obrigação do Estado em estimular e apoiar a ação da entidade empregadora pública na contratação de trabalhadores com deficiência ou doença crónica (RCT 46,2).

Para que compreendam, no meu caso particular, sendo portador de uma tetraparésia espástica, necessito de um horário de trabalho adequado à minha condição física, que sendo incapacitante de realizar, por norma, horários completos em componente estritamente letiva, não o é para a realização de horários reduzidos, adaptados. Assim, nos últimos anos tenho-me, em oferta de escola, candidatado a horários reduzidos, não perfazendo as 22 horas necessárias para cumprir o disposto nas normas do concurso externo de professores e aceder à primeira prioridade, ou seja, ter “sucessivamente celebrado com o Ministério da Educação três contratos ou duas renovações, a termo resolutivo, em horário anual e completo”.

Fica evidente que nunca terei condições de aceder às quotas para deficientes da primeira prioridade, não podendo deste modo concorrer a um lugar de quadro, pelo menos nos quadros de zona pedagógica. Acrescente-se que, depois dos resultados do concurso revelados esta semana, ninguém entende onde pairam as quotas para portadores de deficiência, e mesmo ligando para a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) ninguém sabe muito bem explicar onde se aplica, quando, a quem… enfim… o mesmo de sempre!

Portanto, a situação em que me encontro não me permite, sequer, aceder à possibilidade de contratualizar com o Ministério da Educação um contrato em lugar de quadro, onde seja possível cumprir o que diz o artigo 48 do RCT, que cito: “O trabalhador com deficiência ou doença crónica tem direito a dispensa de horários de trabalho organizados de acordo com o regime de adaptabilidade do tempo de trabalho se for apresentado atestado médico do qual conste que tal prática pode prejudicar a sua saúde.”

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O mesmo código diz, ainda, que “podem ser estabelecidas por lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho especiais medidas de proteção do trabalhador com deficiência ou doença crónica, particularmente no que respeita à sua admissão, condições de prestação da atividade, adaptação de postos de trabalho” (CDT 51), o que no processo de admissão resolveria a minha situação. Para expor esta situação especifica, tenho tentado marcar audiência com a Senhora Secretária de Estado Inês Ramires, mas mais depressa contactei com a Presidência da República, onde obtive agradável acolhimento, ainda que, contudo, a mesma não tenha competência nestas matérias, do que com uma Secretária de Estado que deveria zelar pelos direitos dos cidadãos que lhe estão confiados, nomeadamente os professores.

No que diz respeito à questão da deficiência propriamente dita, está ainda em causa a concretização dos arts. 13.°, n.° 1, e 14.°, n.° 2, do Regime já citado que, inspirados na legislação laboral comum, adotam, em conjugação com art. 16.° (aplicável a medidas de natureza legislativa), um conceito substancial ou material do princípio da igualdade. Este, na sua vertente de igualdade de oportunidades, obriga a tratar de modo distinto o que é diferente e admite, por isso, discriminações positivas, desde que o fator de diferenciação seja legítimo, o que eu considero claramente ser o caso.

É triste e curioso isto acontecer no ano em que a União Europeia define uma estratégia para pessoas com deficiência e recorda grandemente aquele que deve ser o “direito a um nível de vida digno e a viver de forma independente, focalizando-se, nomeadamente, no processo de desinstitucionalização, na proteção social e na não discriminação no trabalho”. Torna-se ainda mais frustrante, tendo investido na minha carreira e formação, sendo licenciado, duplamente mestrado com profissionalização e sendo doutorando em Ciências da Educação, não ter direito a exercer plenamente e de forma estável a minha profissão. O mesmo Estado que pelas Bolsas de Portadores de Deficiência “investiu” em mim é aquele que agora, por graves lacunas na legislação concursal e infelizmente por aparentes inspirações ideológicas, me deixa votado ao desemprego ou a receber 370 euros por mês, repito, 370 euros por mês. A isto acresce que, para além de deficiente, formei-me na área da ética, da moral e da educação, portanto nada abona a meu favor num país que de justo parece ter pouco. Em todo este processo, obtive uma resposta por parte da DGAE, que não tem competência legislativa, bastante elucidativa da forma como funcionam as coisas no nosso país e que transcrevo:

“Na sequência do email enviado por V. Ex.ª, reencaminhado a esta Direção-geral pelo Gabinete da Secretaria de Estado da Educação, cumpre informar que registamos as suas preocupações e lamentamos a sua situação pessoal.”

Agradeço, mas não preciso que lamentem, preciso que resolvam. Lamentável é a inoperância de quem nos governa e tutela estas matérias.

Num tempo em que tanto lutamos, e bem, pela inclusão dos alunos com deficiências, é triste perceber que mais uma vez os professores, neste caso com deficiência, ficam sujeitos a leis castradoras e a concursos que de pouco inclusivo acabam por ter.

Enviei todo este processo à Senhora Provedora de Justiça, um dos poucos órgãos do país no qual deposito confiança e esperança. Aguardo o devido parecer. Quanto aos demais, enviei em março uma carta com conteúdo muito semelhante a este ao Ministro da Educação, à Secretária de Estado da Educação, à Secretária de Estado da Inclusão, aos grupos parlamentares e ao Senhor Presidente da República. Este último, como humanista que é, fez com que me chegasse resposta escrita e telefónica poucas horas depois. A carta seguiu para o gabinete do Primeiro-Ministro, que reencaminhou para a Educação, esta por sua vez reencaminhou para o Trabalho e Administração Pública, passou pela Inclusão, voltou à Educação… Tem andado de Anás para Caifás e no fim, a história repete-se, chegará a Pilatos que lavará as mãos, acalmando-se o povo, condenando os mesmos de sempre.

Resumindo, professor e deficiente continuo a ser, pois isso “felizmente” não me podem tirar. Contudo, daqui a um mês estarei desempregado ou então a fazer 6 ou 7 horas com 370 euros por mês… Senhora Inês Ramires cumpra a sua missão e digne-se a receber-me!