Conheci Juan Luis Cebrián pelo Professor Fernando Correia, no meu primeiro ano de faculdade. Entre livros e acetatos, a membrana timpânica que separa o ouvido externo do médio reteve o nome do livro Cartas a um Jovem Jornalista.

Tido como uma obra de leitura obrigatória para quem se iniciasse neste mundo cão, os jornalistas têm feito gato sapato de alguns dos valores e ensinamentos inscritos nas 112 páginas deste código deontológico disfarçado de livro de capa mole.

Memórias de um período de inocência, recuperadas a propósito de um dos assuntos na ordem do dia da diáspora nacional.

Numa situação que teve tanto de inesperada quanto de profética — ou não tivesse a pergunta sido feita a Jesus na sala de imprensa do Estádio Jornalista Mário Filho — a reação do treinador português, descodificada no seu esgar e semblante, foi paradigmática da estupefação de um treinador habituado a surpresas ao cair do pano.

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A Comunicação, pródiga em paradigmas, assistiu ao nascimento do paradigma José Miguel Gaspar. Depois de Lasswell, o autointitulado repórter do Jornal de Notícias inovou quando, no prólogo da sua intervenção em plena conferência de imprensa pós-jogo, desmistificou a eterna questão deontológica sobre se um jornalista deve revelar o seu clube, partido político ou credo.

Não satisfeito com tamanho feito, atribuiu à divindade e seus discípulos a conquista do campeonato nacional pelo Benfica da Liga NOS 15/16, ou não estivesse na presença do filho Dele.

No hemiciclo do Maracanã, José Gaspar resolveu mandar a ética a Nicómaco e envergonhar os cada vez menos discípulos de Aristóteles na demanda do que deve ser o jornalismo isento e imparcial.

Mas terá sido este um caso isolado no jornalismo português? Não creio.

O alcance alavancado pelo mediatismo de um jogo do Flamengo, que tem como figura de proa da sua embarcação um treinador português, atravessou o Atlântico qual Álvares Cabral e fez soar as campainhas da indignação entre os cada vez mais comuns indignados da internet.

Posts, tweets e até programas de televisão dedicados à intervenção do jornalista “que reside no Porto, mas é do Sporting”, conforme se apresentou aos jornalistas do “país irmão”.

Num texto repleto de metáforas, é na ironia do parágrafo acima que gostaria que o caro leitor centrasse atenções.

Estes programas, que desde há mil e uma noites fazem da grelha dos principais canais noticiosos em Portugal uma homenagem a Goebbels, albergam como comentadores residentes dos seus paineís inúmeros Josés Gaspares: jornalistas, muito deles sem carteira profissional, que puxam a brasa à sardinha de um oceano com cada vez mais trutas endinheiradas.

Numa época pouco dada a leituras, o imediatismo com que se recebe e consome a informação impede-nos de refletir e reparar no enorme elefante que, diariamente, está nas nossas salas.

Que o circo montado no Rio termine a tournée em Portugal e que a tenda do mau jornalismo caia de vez.