Em 2009, era eu coordenador da USF Rodrigues Miguéis, em Benfica, assisti a uma cerimónia na CML, com o então presidente da Câmara, António Costa, e a Ministra da Saúde da altura, a Dr.ª Ana Jorge, sobre o a construção da nossa futura casa. O pretexto foi o concurso de arquitetura da mesma.

Sobre a “nova casa” já aconteceram mais dois eventos a anunciá-la.

E passaram mais de 10 anos em que temos estado numa unidade provisória construída com contentores. Unidade de que gosto muito, porque tem um espaço muito bem organizado e funcional, onde funcionam oito médicos de família, oito enfermeiros de família e seis secretários clínicos, servindo 14 mil utentes num ambiente familiar.

Este ano, finalmente, as obras arrancaram e seguem a bom ritmo.

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Mas surpreendi-me com o placard acima.

Sabia que iria ser para duas Unidades de Saúde Familiar, o que já não é boa ideia. O que não sabia, era a quantidade de outras coisas que ia ter. Medicina Dentária, Consultas de Nutrição, de Psicologia, Saúde Materno-Infantil e Análises e outros exames de diagnóstico. Cuidados de Saúde Primários aparecem no cartaz em último lugar e este nem fala em USFs (Unidades de Saúde Familiar).

Pensava eu que era uma blague promocional da CML e do Governo e que na realidade seria para apenas duas USFs, quando li o que o Plano de Recuperação e Resiliência dizia para os Cuidados de Saúde Primários.

O PRR:

3. Descrição das reformas e dos investimentos Reforma RE-r01:
Reforma dos cuidados de saúde primários

Um segundo desafio passa pela criação do “novo centro de saúde”, mais pró-ativo, mais centrado na resposta aos utentes, mais resolutivo e mais integrado com os outros níveis de cuidados. Para o implementar é preciso fazer evoluir o modelo atual, intervindo no sentido de:

(ii) alargar a carteira de serviços e as áreas de intervenção, aumentando a capacidade resolutiva das situações agudas e crónicas, respondendo às necessidades não satisfeitas no SNS (como é o caso da saúde oral ou da reabilitação) ou internalizando meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT) realizados no setor convencionado (custaram 507 M€ em 2019, +18,2% que em 2015), com destaque para as análises clínicas (186 M€), radiologia (114 M€), medicina física e reabilitação (110 M€) e gastroenterologia (55 M€);

E o que é confirmado, não só pelo que ouvi a alguém ligado à Saúde do Partido Socialista, defendendo os Novos Centros de Saúde como mini-hospitais, como o próprio Primeiro-Ministro, António Costa, o tem proclamado na apresentação da sua moção ao Congresso do PS:

“É hoje claro que temos de sair desta crise com um Serviço Nacional de Saúde mais robusto”, sublinhou o líder socialista.
Esclareceu que essa robustez significa que os cuidados de saúde primários, “têm de ter os meios básicos e complementares de diagnóstico, das análises, aos raios-x, para que, de uma vez por todas, as pessoas tenham de deixar de ir às urgências hospitalares e possam encontrar na saúde de proximidade a resposta” de que necessitam, argumentou António Costa. (Lusa, 29 de Maio de 2021)

O que mais não é que o prosseguimento do que esta esquerda estatista, adepta do modelo comunista, à qual se juntou o PS de António Costa, consagrou na lei de bases da Saúde de 2019.

Base 25
Contratos para a prestação de cuidados de saúde
1 – Tendo em vista a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS, e quando o SNS não tiver, comprovadamente, capacidade para a prestação de cuidados em tempo útil, podem ser celebrados contratos com entidades do setor privado, do setor social e profissionais em regime de trabalho independente, condicionados à avaliação da sua necessidade.

Tudo isto é um disparate e é criminoso.

Disparate, porque, feito à socapa, nas costas de todos os que nesta área trabalham, estão a criar mega-unidades centralizadas, que mais não são que mini-hospitais, em vez de pequenas e familiares unidades de proximidade incrustadas na comunidade para que apontava, e bem, a Reforma de 2006 de Correia de Campos, que consagrou o modelo de Unidade de Saúde Familiar.

Disparate, porque, ao incluírem os Meios Complementares de Diagnóstico e Tratamento (MCDT) nos Centros de Saúde estão a criar um modelo ingerível. Os MCDTs, hoje, são uma área de capital intensivo e de gestão avançada. Envolvem elevadíssimos investimentos e uma aprimorada gestão de recursos humanos de imenso pessoal qualificado. Tudo coisas para  as quais as Administrações Regionais de Saúde não têm a mínima competência.

Disparate, porque visa acabar com aquilo que melhor funciona na Saúde, quer na acessibilidade, quer na eficiência: o sector convencionado de MCDTs no qual, por exemplo, se conseguem fazer análises sem marcação prévia, quase à esquina da rua, e ter os resultados por email no próprio dia. Pagos por uma tabela que não é superior ao preço de custo das mesmas análises feitas num hospital público.

Criminoso, porque vai impedir os Portugueses de terem o acesso atempado aos meios complementares de diagnóstico de qualidade. Lembro que, todos os dias, os hospitais pedem aos médicos de família que transcrevam os seus pedidos de MCDTs para serem feitos nos “convencionados” os exames que eles tinham obrigação de fazer, mas não conseguem. Alguém acredita que as ARS vão conseguir fazer aquilo que nem os hospitais conseguem?

Criminoso, porque recorrendo ao aumento da dívida pública se vai torrar imenso dinheiro em compras de equipamentos importados (portanto sem acréscimo ao PIB e com saldo negativo na balança comercial) em algo que nunca vai funcionar, mas que deixa como lastro permanente o aumento da despesa pública corrente.

Vejam ao que aconteceu aos equipamentos de radioterapia do Hospital de Santa Maria, que dois anos depois de por eles ter pago 5 milhões de euros ainda os não tem a funcionar…

Não há quem o impeça?

P.S.: Agora perguntam-nos se queremos ir para a nova Unidade, construída a 10 metros de distância dos contentores ou permanecer nestes. Mas como responder se nós, os utilizadores, não conhecemos de todo a planta do novo edifício, quem mais o vai ocupar, qual o espaço reservado para nós, qual o modelo de gestão do “condomínio”?