Depois do circo do 1.º de Maio, talvez fosse bom celebrar seriamente o valor do trabalho e dignificar os trabalhadores, pensando de forma útil os desafios que hoje se lhes colocam e que precisam de respostas realistas e actuais. Mas como dizem os brasileiros: só que não.

Sobre o circo que a CGTP promoveu na Alameda quero apenas sublinhar que o fez com o beneplácito previsível do Governo e com a validação envergonhada, mas não inocente, do Presidente da República, que partilham nesta pantomina todas as responsabilidades. Parafraseando Almada Negreiros numa passagem do seu Manifesto Anti-Dantas, não é preciso ir para a Alameda para se ser pantomineiro, basta ser-se pantomineiro.

Dito isto, voltemos ao essencial.

A CGTP exigiu. Exigiu a proibição dos despedimentos (como se a economia fosse um detalhe), exigiu a retribuição por inteiro para os trabalhadores em lay-off (como se a paralisação da actividade fosse irrelevante), exigiu que os trabalhadores sejam pagos a tempo e horas para fazer face às despesas que não diminuíram (como se a realidade –  de receita e de despesa dos agentes económicos, trabalhadores e empresas – fosse inamovível), exigiu o respeito integral pelos horários de trabalho (como se a flexibilidade horária fosse uma anátema malquerido pelos trabalhadores). Com despudor ainda exigiu a protecção de todos os trabalhadores, [e] o estabelecimento de regras obrigatórias de segurança, higiene e saúde no trabalho (as mesmas que não assegurou no fim do circo, depois da coreografia).

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A CGTP declarou. Declarou sobre os apoios às empresas que, não só não os deviam receber, como deviam ser chamadas a contribuir para se garantir a resposta necessária e declarou o combate à desregulação dos horários, adaptabilidades e bancos de horas.

Com estas exigências e declarações, sob a capa de defesa dos trabalhadores, a milícia do PCP exibiu o seu ódio ao capital, às empresas e aos empresários e o seu repúdio pela livre criação de riqueza. E acabou a exibir também a sua falta de noção, o seu anacronismo e, com isto, a sua inutilidade.

Sobre a sua visão marxista dos meios de produção não vou tecer comentários; a História encarregou-se já de os dispensar. Mas vale a pena olhar para o seu anacronismo.

No The Future of Jobs Report o World Economic Forum apresentou tendências para o mercado de trabalho – o horizonte é 2022 – que vale a pena revisitar. E sobre as quais era bom termos no espaço público quem lhes quisesse dar resposta. Nem que fosse com a humildade de, reconhecendo-as, admitir que ainda não as tem.

A internet 5G, a Inteligência Artificial e o Big Data promoverão uma aceleração tecnológica tal, que 85% das empresas inquiridas admitem vir a utilizar o Big Data na sua actividade, e entre 23% a 37% planeiam investir em robótica. Nesta linha, é expectável uma mudança significativa na fronteira entre humanos e máquinas. Em 2018, cerca de 71% do total de horas de tarefas foram executados por seres humanos e 29% por máquinas, sendo de esperar uma mudança para 58% de horas de tarefas executadas por humanos e 42% por máquinas. Cerca de 50% esperam que a automação, entretanto levada a cabo, reduza alguma da sua força de trabalho a tempo inteiro; isto considerando os perfis profissionais de que dispõem actualmente. Quanto à sua base geográfica de operações, quase metade espera modificá-la, identificando – 74% dos entrevistados – como factor determinante para essa decisão a disponibilidade de talentos locais qualificados. Ainda sobre as qualificações, nada menos que 54% de todos os empregados terão de ter alterado e/ou melhorado o seu perfil de competências.

Não vou sequer entrar no impacte que a tecnologia terá sobre profissões tidas, até há bem pouco tempo, como insubstituíveis por máquinas; e sim, estou por exemplo a falar de professores, médicos e juízes. Nem vou tecer considerações sobre o quanto isso alterará a estrutura do mercado de trabalho. Esperar que a CGTP olhe para o mundo com um olhar diferente do seu seria o mesmo que esperar que o escorpião não matasse a rã; não está na sua natureza.

O que confrange, portanto, nem é a CGTP – que o país conhece bem e sabe o que dela (não) pode esperar – não endereçar a estes desafios qualquer resposta que não seja a velha cassete (é anacrónico, não é?) da luta de classes. O que confrange são os silêncios cúmplices de quem permitiu o circo, as ausências incompetentes de quem não o contestou substantivamente e as palmas que ainda soaram na Alameda (mesmo daqueles que, lá não podendo ter ido por falta de salvo-conduto, aplaudiram em casa).

O futuro, esse, olhando este país, cantarola o mambembe do Chico Buarque: No palco, na praça, no circo, num banco de jardim, Correndo no escuro, pichado no muro, Você vai saber de mim. A bem ou a mal.