1 As alternativas em confronto
A questão essencial para o País, e na qual nos devemos focar, não é o que fazer com o Chega, mas sim se o País pretende, e se vai ou não conseguir criar num futuro próximo, as condições para que venham a ser implementadas políticas alternativas às que, de uma forma geral têm subsistido há mais de 20 anos, permitindo-nos dessa forma avançar para um novo e mais positivo ciclo na vida nacional.
Nestes últimos 20 anos este país experimentou algum, mas fraco e insuficiente, desenvolvimento, apesar de todos os fundos europeus entretanto recebidos. Empobreceu relativamente aos outros países Europeus, alcançou uma dívida pública desmedida, garantiu a insustentabilidade do seu modelo social, em geral pouco melhorou nos serviços públicos, criou novas desigualdades e uma carga fiscal insuportável face ao rendimento per capita existente, condicionou algumas das liberdades e restringiu drasticamente o âmbito das possibilidades e oportunidades dadas aos portugueses.
Tornámo-nos cada vez mais numa sociedade envelhecida, pesada, rígida, burocrática, repleta de poderes dominantes, em que a cultura não é disseminada, com muitos cidadãos dependentes, em que muitos dos mais qualificados rumam ao estrangeiro, que não estimula devidamente a inovação, a criatividade e a iniciativa dos cidadãos, que não aproveita em pleno as suas capacidades, e que demonstra fraca capacidade de criar riqueza.
Nos últimos 6 anos a situação agravou-se ainda mais com a criação da geringonça resultante da uma aliança deste partido socialista, com os partidos radicais de esquerda (ou de extrema esquerda se quisermos utilizar a designação que os próprios usam quando se referem aos partidos radicais à direita), que visou o acesso ao poder e respectiva manutenção.
Com a geringonça o partido socialista de certa forma normalizou o bloco de esquerda e o PCP e deixou-se contaminar pelas respectivas políticas e práticas.
Na prática reduziu-se à sua ala esquerda, desconsiderando a sua ala mais moderada e menos iliberal.
Assim este partido socialista abandonou as intenções reformistas que pudesse ter, passou a apostar mais no socialismo estatizante, na colonização do Estado, na maximização da taxação de qualquer actividade que crie riqueza, numa quase ostracização dos “privados” (que no limite são todos os portugueses pois trabalhem onde trabalharem não deixam de ter os seus interesses privados).
Permite ainda que estejam a ser prejudicados alguns dos valores essenciais da nossa sociedade como os da liberdade de iniciativa, da defesa da propriedade, da não exploração do cidadão pelo Estado, da não descriminação de tratamento entre segmentos importantes da sociedade.
É, portanto, agora necessário que seja apresentada e oferecida aos portugueses, para sua escolha, uma nova e clara alternativa de governação, que confronte e ultrapasse todos os preconceitos e mistificações que foram sendo consolidados nos últimos 20 anos.
Assumindo-se a democracia e os direitos humanos como inquestionáveis, a distinção fundamental agora a vincar claramente é entre os que apostam no iliberalismo e no socialismo estatizante e quem a tal se opõe.
A questão crucial não é tanto quem é de esquerda ou de direita, designações demasiado simplistas e em parte ultrapassadas nos dias de hoje e que servem principalmente de arma de arremesso mútuo, tendo nesse aspecto a dita esquerda revelado-se mais exímia do que a dita direita, ao se assumir como paladina das maiores virtudes, em particular no campo da bondade social, da procura da igualdade e da defesa dos mais desfavorecidos e do povo em geral.
Assumindo-se a democracia e os direitos humanos como inquestionáveis, a distinção fundamental agora a vincar claramente é entre os que apostam no iliberalismo e no socialismo estatizante e quem a tal se opõe.
Sendo que estes últimos têm, ao mesmo tempo, que demonstrar que as suas políticas são as que melhor servem os principais objetivos da sociedade incluindo os de natureza social e a adequada e justa redistribuição dos rendimentos.
E ainda que serão mais capazes de evitar os conluios, as promiscuidades e os conflitos de interesses, as cliques e os privilégios atribuídos apenas a alguns, ou seja, têm que demonstrar ser mais capazes de assumir um verdadeiro e imparcial sentido de Estado e de interesse público.
As novas políticas alternativas terão que se diferenciar e se caracterizar por serem tendencialmente sociais-liberais, não estatizantes, recusando a instrumentalização do Estado por grandes interesses partidários, empresariais ou corporativos, por colocarem o Estado ao serviço do cidadão, por garantirem um novo modelo social mais justo, equitativo e sustentável e serviços públicos mais eficientes e de qualidade, muitos dos quais o Estado garante mas não é o prestador único.
E ainda por apostarem numa sociedade de liberdade, aberta, diversa e inclusiva e sem posições perversamente dominantes (do estado ou dos “privados”), por promoverem a qualificação e independência de cidadãos livres e as condições para a criação, com igualdade, de mais possibilidades e oportunidades para os portugueses, ao mesmo tempo que incentivam e praticam a sustentabilidade, a solidariedade e garantem a proteção dos mais desprotegidos.
As acusações e rótulos já esperados e habituais provenientes dos protagonistas do iliberalismo e socialismo estatizante dirigidas a quem os desafia, de neo-liberalismo, de se querer privilegiar o capital e não o trabalho, de se estar a procurar facilitar os despedimentos, de se querer acabar com a escola pública e o serviço nacional de saúde, de se pretender reduzir as pensões de reformas, etc, terão que ser desmontados e merecer uma resposta convicta pelos proponentes das novas políticas.
Estes terão que explicar a todos porque as políticas que defendem serão as que mais beneficiarão os principais grupos da nossa sociedade, dos jovens aos reformados, sendo mesmo mais benéficas para uma parte significativa dos funcionários públicos, uma das bases eleitorais privilegiadas do partido socialista e geringonça.
2 O “fenómeno” Chega
Manobras de diversão e a procura de tábuas de salvação serão sempre procuradas pelos governantes tanto mais quanto se sentirem em plano inclinado o que poderá se agravar com a evolução da pandemia, nomeadamente se se confirmar uma falta de competência na sua gestão.
Agora procura-se elevar o Chega a grande e principal ameaça para a democracia e para a salvaguarda dos princípios e valores da dignidade humana salientando-se o crime de lesa majestade cometido pelo PSD e CDS ao negociarem nos Açores um acordo para um apoio à eleição do seu novo Governo regional.
Os dirigentes do PS acusam o PSD e o CDS de estarem assim a normalizar o Chega, o qual designam definitivamente como de extrema direita, xenófobo e racista e mesmo repugnante.
Esquecem-se que eles próprios de certa forma já normalizaram o BE e o PCP, quando estes partidos também colocam em causa valores também importantes de liberdade, de independência e de não exploração do ser humano, se bem que de forma menos evidente, directa e agressiva.
A atitude de dirigentes do partido socialista de quererem ostracizar ou mesmo de admitir ilegalizar o Chega vai singularmente contribuir para o crescimento deste partido.
Provavelmente mais eleitores não aprovarão esta arrogância de um partido que já consideram demasiado do sistema e ficarão assim ainda mais tentados em votar no Chega.
Essa poderá ser, aliás, uma intenção não confessável do partido socialista. Acredita que um Chega maior vai partir ainda mais a dita direita, prejudicando a probabilidade desta vir a chegar à maioria absoluta parlamentar, e acabará por assustar os cidadãos mais moderados levando estes a optarem por votar no PS.
Ainda não se sabe o que virá a ser o Chega. Partido ainda nascente que até agora se tem publicamente caracterizado por ter uma forte vertente oportunista, ser pouco estruturado, coerente e fundamentado nas suas afirmações públicas, e por ter assumido um posicionamento radicalmente populista (sendo que o bloco de esquerda nesse aspecto não lhe ficará muito atrás).
É de esperar que mesmo que este partido venha no futuro a moderar-se e a perder os laivos de xenofobia e racistas que tem apresentado (mas que no seu manifesto político renega ao dizer que faz uma rejeição clara e assertiva de todas as formas de racismo e xenofobia) e a ganhar maior consistência e coerência (na linha do que procura fazer no seu programa político de 2019) provavelmente não deixará de continuar a ser, no activo, demasiado populista, segregacionista, nacionalista e securitário, até para conseguir ser distintamente ouvido e angariar uma base eleitoral consolidada. Isso não será compatível com uma participação conjunta na construção inicial de uma nova alternativa para o país, como aquela que aqui se refere.
Assim, neste momento justifica-se que os partidos à direita do PS coloquem uma distância saudável (para ambas as partes) relativamente ao Chega, explicitando a sua diferença quanto a determinados princípios e valores e evitando a formação de coligações pré-eleitorais, mesmo que tal introduza algum risco de à partida não virem a conseguir uma maioria absoluta, como poderia permitir o método eleitoral existente. Assim ficará também mais claro o peso que o Chega pode alcançar sozinho no eleitorado.
Se e quando precisarem do apoio do Chega para eleger e dar estabilidade ao seu governo os partidos à direita do PS terão junto do Chega que reafirmar claramente os seus valores essenciais, não os negociando, ao mesmo tempo que negoceiam apenas o negociável, mas que naturalmente também seja valorizado pelo Chega, que terá nessa negociação tanta força quanto os votos que tiver. Essa procura de acordo nestes moldes terá que se considerar compreensível e aceitável face a uma alternativa de acordo PS com a esquerda radical que perpetue uma governação que já se revelou perniciosa para o país.
Não será um acordo para a eleição de um novo governo nos Açores ou quaisquer conversas com esse partido que só por si darão força adicional ao Chega e que fragilizarão significativamente o PSD e CDS, desviando os seus eleitores.
O Chega só crescerá muito, claramente cima dos 10%, se reforçar e qualificar a sua organização e se cada um dos outros partidos, mais moderados, vierem a não cumprir minimamente o seu papel, seja na governação seja na oposição.
Na governação se desprezarem as preocupações de grupos que se sentem mais excluídos da sociedade.
Na oposição se não forem capazes de apresentar aos portugueses políticas alternativas assentes em valores e princípios sólidos e que os atraiam.
Só nesse caso, e ao também apostar numa ainda maior radicalização contradizendo o que diz serem as suas bases programáticas, é que o Chega se poderá tornar numa verdadeira ameaça para a democracia.
Não será um acordo para a eleição de um novo governo nos Açores ou quaisquer conversas com esse partido que só por si darão força adicional ao Chega e que fragilizarão significativamente o PSD e CDS, desviando os seus eleitores.
A permanência da actual governação, “à la gerigonça”, é que será a melhor forma de fazer crescer o Chega e de despertar mais ódios e intolerâncias na nossa sociedade, o que será naturalmente de evitar.
Conquanto o Chega cumpra as regras instituídas do estado de direito a sua ostracização não será razoável, aceitável ou mesmo desejável.
Não seria muito diferente de ostracizar outras forças também mais extremistas como o bloco de esquerda ou o PCP achando-se que também elas são perversas para a sociedade e que delas nada de bom se poderá aproveitar.
Numa democracia têm que se respeitar todos os partidos legítimos e em particular os seus votantes.
Os votantes (e os votos) no Chega não valem menos do que os votantes do bloco de esquerda ou do PCP ou de qualquer outro partido. E o Chega poderá mesmo vir a ter maior votação que a de algum dos dois maiores partidos mais radicais à esquerda. A acontecer quererá então dizer que há mais portugueses, em democracia, a preferirem as políticas do Chega do que as do BE ou do PCP. E tal, na medida desse facto, terá que ser tido em conta e respeitado.
3 Em conclusão: querem ou não os portugueses estimular uma alternativa e uma mudança?
Começa a crescer numa parte dos cidadãos uma insatisfação face à actual governação, e seus protagonistas. Também as perspetivas futuras surgem sombrias quando instâncias internacionais qualificadas já colocam Portugal entre os países que piores prestações poderão vir a ter nos próximos anos.
Para a democracia será desejável que o poder não se perpetue e que regularmente seja confrontado com alternativas claras, ficando para os portugueses a escolha final. O próximo Presidente da República decerto desempenhará o seu papel mantendo-se imparcial nesta disputa
Como resposta a esta crescente insatisfação espera-se que surja um projeto alternativo que venha a jogo, não iliberal nem socialista estatizante, provavelmente induzido pela parte mais livre e activa da sociedade civil, e eventualmente liderado pelo maior partido da oposição.
Para a democracia será desejável que o poder não se perpetue e que regularmente seja confrontado com alternativas claras, ficando para os portugueses a escolha final. O próximo Presidente da República decerto desempenhará o seu papel mantendo-se imparcial na disputa em causa, não permitindo que quem está no poder manobre para condicionar a livre construção e apresentação de uma forte alternativa.
Mas claro que nada disto é científico ou determinista. As circunstâncias e as oportunidades que vierem a surgir serão em grande medida o resultado da evolução e interação de múltiplas variáveis (internas ou provenientes do enquadramento externo) que no seu todo não são por ninguém controláveis.
Mas se aqueles que agora advogam uma mudança clara não fizerem o suficiente, o risco para os portugueses de os próximos 20 anos, face aos últimos 20, virem a não ser muito melhores para o país, será muito maior.
E lá nos estaremos a lamentar que somos uma sociedade empobrecida (face aos outros) e envelhecida, que uma grande parte dos mais jovens mais qualificados já foram para fora , que não há suficientes possibilidades e oportunidades para a realização pessoal e profissional dos nossos cidadãos, nem suficiente oferta de emprego com salários razoáveis, que a asfixia fiscal é brutal, que só se safam neste país as cliques no poder, com os seus apaniguados, familiares e cúmplices, desde logo da área política mas também nas várias corporações e organizações, incluindo determinados sindicatos e empresas, que desfrutam na nossa sociedade de rendas e posições dominantes, e de fácil e influente acesso ao poder, etc, etc, etc…
Nota: comentários são bem vindos para acarrapatoso@observador.pt