As recentes eleições americanas e o seu enorme significado para o mundo, têm feito passar quase despercebido o facto do presidente chinês, Xi Jinping ter sido consagrado como “núcleo” ou “líder central” (“He Xin”, em mandarim) do comité central do partido comunista chinês. Depois de Mao Tsetung, fundador do atual regime e de Deng Xiaoping que procedeu à sua reforma e abertura, trata-se de mais um líder do partido e do Estado a ter essa designação na hierarquia do poder chinês.

Mas, ao contrário da América que acaba de escolher democraticamente um novo líder e onde a imprevisibilidade parece ser a palavra mais ouvida, a China, segunda potência mundial, consolida de fora burocrática, o poder do seu atual líder que já era presidente da república, primeiro secretário do partido e comandante das forças armadas, numa clara demonstração de previsibilidade e estabilidade do modelo chinês.

Tal ascensão tem lugar no ano que antecede o congresso plenário do partido, que ocorre de cinco em cinco anos, e que poderá confirmar Xi por mais um mandato, o terceiro, ou, como tem acontecido até aqui, Xi sai, mas terá o poder de influenciar a escolha do seu sucessor por mais dez anos.

Acontece que embora se comece a conhecer um pouco mais dos traços de personalidade, do percurso e objetivos dos lideres chineses, a verdade é que sabemos bem mais sobre a China do que sobre os seus dirigentes. Pouco sabemos sobre as suas origens, os seus percursos, forma de recrutamento, modo de formação, ascensão, rivalidades, factos pessoais, etc.

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Sobre a China conhecemos qual o seu papel na economia e nos equilíbrios geopolíticos mundiais. Recordamos com frequência o seu autoritarismo impermeável às liberdades políticas e aos direitos humanos. Estamos cientes de que cada vez mais, o nosso futuro depende do seu crescimento económico, bem como das suas ações em prol da sustentabilidade energética e ambiental do planeta.

Desde o início do século o PIB da China quintuplicou, representando atualmente 10% do PIB mundial. A China tem hoje, segundo as estatísticas económicas cerca de 1,34 milhões de milionários e 200 milhões de pobres (numa população de 1. 368 milhões de habitantes) apesar de, paradoxalmente, a sua Constituição continuar a afirmar o país como “um Estado socialista liderado pela classe trabalhadora e assente na aliança operário-camponesa.”

Mas quem são afinal, os dirigentes chineses?

Recorde-se, a começar, que o partido comunista chinês tem tantos militantes como a população da Alemanha ou da Turquia (cerca de oitenta milhões).

Os novos dirigentes chineses sabem, antes de mais, usar as alavancas do poder. São tecnocratas cultos e bem preparados: defendem com mão de ferro a situação política estabelecida e promovem com êxito o capitalismo “made in China”. A foice e o martelo, que engalanam os desfiles, vão de braço dado com a mais-valia, o lucro, o rendimento financeiro: um verdadeiro exemplo de contradições aparentemente sanáveis, pois os resultados obtidos até agora são evidentes e tem merecido acolhimento popular.

São os mesmos dirigentes que começaram como guerrilheiros pobres contra o Japão, que modernizaram o país, que o quase destruíram com a revolução cultural e o ressuscitaram depois, adaptando-o à globalização. Configuram o Príncipe do terceiro milénio. Um governante iluminado e astuto, cínico, conservador e progressista, comunista sem ser já comunista, capitalista sem o assumir. Estes homens e mulheres (curiosamente muito mais homens que mulheres) têm muitas máscaras e usam-nas com uma desenvoltura extraordinária. Estão à vontade com os ditadores do Sudão ou da Coreia do Norte, do mesmo modo que reúnem e negoceiam com os dirigentes das democracias ocidentais.

Mas quem é então este Príncipe, maquiavelicamente falando? Por detrás destes dirigentes estão homens e não monstros ou fantasmas. E o milagre da continuidade e da eficácia no recrutamento desta plêiade de dirigentes, qual novo mandarinato em que se veio a transformar a escola de quadros do partido, não provém da ordem do sagrado mas da capacidade e resiliência de um contingente de pós-maoistas (curiosamente, em Portugal, também os temos em abundância em muitas posições de destaque inclusive na banca, na politica ou na magistratura). É deste grupo, mais ou menos coeso e heterogéneo, que saiu o Príncipe dos príncipes, a quem chamam “Príncipe vermelho”, por ser filho de dirigente histórico da revolução e que está atualmente à frente dos destinos do grande Dragão: Xi Jinping.

Mas se este é o perfil dos novos dirigentes, quem é então, em traços largos, aquele de cuja ascensão se fala?

Xi Jinping, o atual líder do “Império do Meio” assumiu o cargo de presidente da China em 14 de março de 2013, depois de ter feito um percurso académico e político nos termos do “novo mandarinato chinês”.

Filho de uma família tradicional, o pai, Xi Zhongxun, foi um destacado militante do partido desde os anos 30 do século XX, embora devido à sua forte independência, tivesse várias vezes caído em desgraça, chegando mesmo a ser preso em três ocasiões.

Xi começou por trabalhar junto do povo antes de se licenciar em química e doutorar-se em ciências sociais. Depois deste percurso inicial, Xi foi ascendendo no partido e em funções na administração à escala local e provincial ganhando aí experiência e currículo até chegar ao atual patamar do poder quase absoluto, até chegar a líder supremo e incontestável, no fundo o que significa ser “núcleo”.

Começou por se dizer que era um dirigente rústico, apaziguador, sem grande chama, mas a verdade é que o mesmo se tem imposto na restruturação do partido, na restruturação da economia, no combate à corrupção, sendo hoje reconhecido como um claro reformador, fortemente empenhado no fomento do investimento chinês no exterior, bem como no regresso paulatino da China ao estatuto de potência indispensável no contexto mundial (é também conhecido pelo seu forte entusiasmo pelo futebol).

Mas porque é importante perder algum tempo com a ascensão de mais um líder político como Xi?

É sobretudo por que voltamos a viver tempos tempestuosos, desconhecidos, inquietantes e, dirão alguns, potencialmente perigosos. De facto, estamos a entrar num tempo novo, (ou num eterno retorno). Uma época de lideranças fortes, personalizadas, carismáticas, onde a emoção se sobrepõe à fria racionalidade.

Tal acontece nos velhos impérios, com Putin na Rússia, Erdogan na Turquia, Abe no Japão, Xi na China, mas também com Modi na Índia ou Duterte nas Filipinas (e agora vamos ter Trump nos Estados Unidos da América).

Resta a Europa, esse grande corpo económico com uma pequena cabeça política, onde não se encontra uma liderança personalizada, forte, que assuma as dores do continente, daí a dificuldade desta mesma Europa conseguir escolher um caminho claro, a uma só voz, no concerto da política internacional. Talvez por isso também na Europa já se comecem a sentir os tambores desse tipo de líderes, com Orban no velho “reino magiar”, a Hungria, ou Le Pen a caminho do Eliseu, em França.

E não será por acaso que a China, com a sua nova e forte liderança, se virou para esse grande corpo económico, a velha Europa, procurando esventrá-la através de aquisições crescentes e cada vez mais estratégicas, sem que a pequena cabeça política consiga dizer não.

Ora a avaliação do perfil da liderança chinesa é, em meu entender, a mais importante de todas, na medida em que como afirmam John Naisbitt e Doris Naisbitt, no seu último livro “A Mudança do Jogo Global” (2016) “a China continua a ser um país polarizador. Tanto mais que tem um atributo que a distingue na comunidade global: é um país transformador do jogo; inicialmente no seu próprio território e agora em todo o mundo.”

Os mesmos autores acrescentam ainda que “a debilidade persistente das economias ocidentais, a ascensão da Faixa Sul do Globo e os laços económicos da China com muitas das suas economias emergentes conferem mais peso à futura política externa chinesa e à questão sobre se a ascensão da China se fará de forma pacífica.”

Por fim, mas não menos importante, qual a importância da ascensão de Xi para Portugal, no dia em que se inicia em Lisboa, o Fórum empresarial luso-chinês.

Para alguns, como Gal Luft, no número de setembro/outubro de 2016 da revista Foreign Affairs, a estratégia chinesa assente na “Belt and Road Initiative” constituirá, não uma ameaça ao domínio dos Estados Unidos da América e do Ocidente, mas uma forma eficaz de estabilizar a prazo a ordem internacional, fazendo a ponte com este mesmo Ocidente através do investimento direto e do comércio.

Mas a verdade é que o embaixador da China em Portugal Huang Songfu, acabou de referir que “Portugal poderá tornar-se o centro da rota marítima do Atlântico” evidenciando a importância estratégica e económica dos nossos portos, o significado dos Açores, somando-se à aposta da China no Brasil e em Angola.

Ora, através desta nova rota, a acrescentar às duas já anunciadas e em execução, (uma pela Ásia Central até à Europa Central e outra marítima, pelo Índico, Mar Vermelho até ao Mediterrâneo), Pequim fechará o anel sobre a Europa e o Atlântico. Será esse um futuro promissor?

Professor universitário