Neste estio maldito de 2017 ardeu o Colégio de São Fiel. No dia 15, no fogo que de 13 a 16 de Agosto lavrou desde o Louriçal do Campo pelas encostas da Gardunha, entre os concelhos de Castelo Branco e Fundão. A comunicação social referiu-se ao colégio como um enorme edifício fechado e abandonado, actualmente integrado no programa Revive, e alguns órgãos até acrescentaram que naquele antigo colégio de jesuítas havia estudado Egas Moniz, o primeiro prémio Nobel português. Breve notícia e memória curta de um incêndio anunciado há mais de um século.
O Colégio de São Fiel era na passagem do século XIX para o século XX o melhor colégio do ensino secundário em Portugal. Luís Cabral de Moncada, catedrático de Direito de Coimbra e também ele antigo estudante do colégio, conta nas memórias que “os inimigos dos jesuítas, liberais, anticlericais e outros eram os primeiros a mandar para lá os filhos”. O que fora um orfanato fundado por Frei Agostinho da Anunciação em 1855 passou para a direcção dos jesuítas em 1863 que dele fizeram um colégio interno modelar procurado pelos filhos família, monárquicos e republicanos, de Lisboa. A construção da Linha Férrea da Beira Baixa, inaugurada em Setembro de 1891 pelos reis D. Carlos e D. Amélia, permitia que os alunos e acompanhantes apanhassem às nove da manhã o comboio-correio e por volta das oito da noite chegassem à estação de Castelo Novo, onde os esperava a charrete do colégio. Ali, entregues aos padres ficavam os alunos durante todo o ano, voltando apenas em Agosto e Setembro aos mimos das famílias, para regressarem em Outubro à rígida disciplina do internato.
A educação escolar centrava-se nas letras e nas ciências, mas havia também formação artística, sobretudo música e teatro, e praticava-se muito desporto. Sobretudo o ensino das ciências atingiu um patamar de excelência. Nas palavras de Cabral de Moncada: “Além de os Jesuítas contarem entre eles vários naturalistas distintos, como o Padre Louisier e o Padre Silva Tavares, fundador da Brotéria, o colégio dispunha de laboratório, gabinete de física e museu zoológico, de borboletas e outros insectos e bichos, que eram, segundo voz geral, do melhor que no género havia no país. Eram notáveis as suas colecções de zoocecídias e lepidópteros que a Revolução da República, em 1910, lhes roubou.”
Sim, em 1910 veio a República, o regime republicano expulsou os jesuítas, o Colégio de São Fiel fechou e o seu espólio foi espalhado aos quatro ventos. Em 1920 a República converteu o colégio no Reformatório de São Fiel, o lugar para onde eram enviados os corrécios, como se dizia então, e agora, traduzido na linguagem actual, jovens delinquentes. Em 1962 mudou a designação para Instituto de Reeducação de São Fiel, mas com a desertificação do Interior, com a emigração em massa para França e outras paragens, o outrora melhor colégio de Portugal acabou por ficar sem ninguém. Há anos que estava abandonado. Em 2017, ardeu.
É verdade que o outro grande colégio dos jesuítas ao tempo da monarquia, o de Campolide, também fechou com a República. Mas, passados 107 anos, a capital Lisboa tem o Colégio de São João de Brito, dirigido por jesuítas. No interior, temos cinzas.
Para terminar, vale a pena transcrever as declarações que o Presidente da Junta do Louriçal, Paulo Serra, fazia à Rádio Cova da Beira em Março de 2015: “eu não quero morrer sem esse assunto ficar esclarecido, eu acho que o Estado Português devia indemnizar o Louriçal do Campo. Esta terra cresceu e desenvolveu-se em função de S. Fiel, muitas pessoas aqui constituíram família, investiram, muitos vieram de fora para cá fazer investimentos em comércio e serviços, de repente fechou e foi-se tudo embora. S. Fiel foi, nos últimos 20 anos, uma desgraça para o Louriçal.”
Depois do incêndio de São Fiel, que vai fazer a gente de Lisboa que tem a força para decidir o que se passa no país, mesmo em Louriçal do Campo, para fazer justiça a este país profundo que em 1910 tinha o melhor colégio do país, com perto de 400 alunos internos, e agora tem escombros e as cinzas?
Os jesuítas e São Fiel: a história de um colégio traído (e agora ardido)