O antigo “Grand Café” perto da praça da Opera Nacional de Paris tornou-se famoso por ter sido na sua cave que os irmãos Lumière organizaram a primeira projecção publica de cinema. A 28 de Dezembro de 1895 os irmãos apresentaram dez clips curtos com menos de um minuto de duração.

A Europa só iria começar a produzir longas metragens no início dos anos 10 do seculo XX, com investimentos que nada têm a ver com os primeiros filmes exibidos. Nasce assim a necessidade de fazer conteúdo que o público queira ver, não apenas porque o cinema é novidade, mas porque o conteúdo em si é entretenimento, é relevante e justifica que alguém saia de casa para ir ao cinema, em vez de ir a um café, teatro ou outro espectáculo. Foi o fim das Nickelodeons, tetravó do YouTube, pequenas salas com exibições continuas, onde por um nickel – cinco cêntimos de dólar – muitos podiam ver filmes com duração entre quinze a vinte minutos.

Com a necessidade cada vez maior de rentabilizar as salas de cinemas, os estúdios de cinema começaram a apostar cada vez mais no cinema que consideravam comercial. Criaram géneros recorrentes de filmes, dando pouco ou nenhum espaço a produções independentes.

Com o passar do tempo este modelo passou para televisão, que nasce como um meio para colocar publicidade, e a publicidade precisava de uma grande audiência para funcionar.

Assim, a distribuição moldou o que vimos durante anos. Hoje isso mudou por causa da capacidade de distribuição das plataformas digitais. Estamos de volta à época em se fazem conteúdos curtos, com interesse apenas para alguns, mas acessíveis a todos.

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Cresci a ver o Vasco Granja sentindo a frustração de não ter alternativa, de ser obrigado a ver desenhos animados criativos, muito artísticos: o resultado, espero que apenas em mim, foi que levei anos até voltar a querer ver desenhos animados “artísticos” – Lembro-me de um em particular: um miúdo que queria ter um cão e, como não o tinha, passou uma parte do dia a subir e descer escadas a bater às portas dos vizinhos e perguntar pelo seu cão imaginário. Sempre que tocava à porta de um vizinho diferente inventava novos atributos ao cão. Até hoje não percebo o significado ou a mensagem deste desenho animado. O que eu queria era ver desenhos animados que fizessem rir. A verdade é que preferia o Eng. Sousa Veloso a estes desenhos animados.

Quem ganha no meio de tudo isto?

A Netflix anunciou que gastaria mais 12 biliões de dólares em conteúdo em 2018, qualquer coisa como 82 filmes e mais de 700 programas licenciados ou novos, mais do que qualquer outro estúdio, porque podem distribuir esse conteúdo sem se preocuparem com espaço para expor os produtos.

As plataformas de distribuição digital com uma cauda longa podem ganhar com esta conjuntura. Mas acredito que nós, os consumidores, também ganhamos, porque podemos consumir conteúdos que de outra forma não seriam produzidos.

Segundo a Lei de Zipf e a teoria da cauda longa de Chris Anderson, uma quantidade relativamente pequena de sucessos (livros, músicas, filmes, produtos, etc) distribuídos digitalmente tem imensa notoriedade, sendo responsável por uma parte muito considerável do tráfego ou das vendas online.

Hoje ganha quem tem a plataforma de distribuição, e a consegue usar de forma a “viciar” as pessoas na sua utilização. Ou seja, aqueles que conseguem fazer com que as pessoas invistam mais do seu tempo nestas plataformas.

Estas plataformas digitais, incluídas as redes sociais, estão optimizadas para atrair pessoas e fazer com que as pessoas voltem repetidamente. Muitas destas plataformas ocupam-nos em detrimento de outras tarefas, criando habituações que podem degenerar em vícios.

Dei por mim a pensar: “o que é que estou a deixar de fazer para estar nesta plataforma digital”. Diariamente vejo séries no Netflix, ouço podcasts e música no Spotify, ou no Audible, leio no Kindle, interajo com outros no Linkedin, compro na Amazon ou no Ebay.

O perigo destas plataformas, incluindo aplicações como o Wish, é que estão a dar-nos um excelente serviço. Todas elas vão conhecendo os nossos hábitos e sugerindo ofertas, conteúdos, produtos ou serviços que acertam na “mouche” dos nossos gostos. E será que isso é mau? Como em quase tudo, é mau se for demais, se se sobrepõe a coisas essenciais da vida.

O Vasco Granja mudou de nome?

Nas redes sociais o produto somos nós, e o novo Vasco Granja é quem utiliza algoritmos para influenciar o meu comportamento.

Não estou totalmente de acordo com o autor Jaron Lanier que escreveu os Ten Arguments for Deleting Your Social Media Accounts Right Now, mas entendo e aceito o seu ponto de vista de que hoje as redes sociais, por causa do seu modelo de negócio, podem ser muito prejudiciais. Tal como este autor, defendo que devemos saber o que estamos a “comer”, tal como sabemos que, se comermos dez bolas de Berlim por dia, vamos engordar.

Não há almoços grátis, e nos modelos de negócio das redes sociais como o Youtube ou o Facebook, nós não somos os clientes, somos o produto. O cliente é quem compra a capacidade de influenciar o nosso comportamento através das redes sociais. Hoje, consegue fazê-lo com cada vez maior precisão, deixando pouco ao livre arbítrio de cada um de nós.

Parece-me que assim o jogo está viciado e por estar em desacordo, abandonei o Facebook depois de nove anos. Para trás ficou a utilização pessoal e, sobretudo, uma intensa aplicação profissional. No entanto, hoje, não vejo qualquer sentido em manter uma presença nesta rede social.

Acredito genuinamente que os Mark Zuckerberg de Sillicon Valley sabem que o seu modelo de negócio não é o mais correcto e estarão a fazer de tudo para inverter a situação. Enquanto não o fazem, uso, com a precaução de quem sabe que bolas de Berlim engordam, algumas redes sociais como Youtube, Whatsapp, Linkedin, Google e as suas ferramentas, e as plataformas digitais como Netflix, Amazon e Ebay, entre outras.