Análises recentes indicam que a escolaridade faz cada vez menos diferença junto dos salários dos jovens em Portugal. E que continuamos a ter muitos licenciados a desempenhar profissões em que o ensino superior pouco acrescenta. Trata-se de resultados preocupantes e que merecem maior atenção da parte das políticas públicas no país.

Não é ainda claro qual a principal explicação para esta quebra do prémio salarial da educação. Várias hipóteses têm sido propostas. Por exemplo, a expansão do ensino superior ou a compressão dos salários através do salário mínimo. Também o crescimento reduzido no país dos setores económicos que mais valorizam a escolaridade. Por fim, a redução da qualidade da própria educação (incluindo o seu ajustamento com as necessidades do mercado de trabalho), ou até a emigração alargada de jovens com elevadas qualificações.

A área que possivelmente é mais diretamente acionável pelas políticas públicas é a da qualidade da educação e da formação e do seu ajustamento com o mercado de trabalho. Cursos do ensino superior ou profissional com conteúdos mais atualizados, com temas mais orientados à procura das empresas mais modernas, com maiores oportunidades de estágios, etc., serão também cursos que irão proporcionar melhores empregos e rendimentos aos seus alunos. Relembro que cerca de um terço dos alunos inscritos no ensino secundário está a frequentar cursos profissionais, pelo que estes cursos têm um potencial enorme para melhorar o ajustamento educação/trabalho.

Apesar do trabalho já desenvolvido nesta área, de forma descentralizada, por muitas escolas e universidades, os Ministérios da Educação e do Trabalho parecem manter-se distantes do problema do desajustamento educação/trabalho no país. Apesar de alguns discursos políticos a mencionar este problema, a implementação prática no terreno de potenciais soluções tende a ser muito reduzida.

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Veja-se a limitada iniciativa da parte da Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional (ANQEP), apesar das suas grandes responsabilidades nesta área (como ao nível do sistema de qualidade EQAVET). Veja-se também o pouco empenho da parte do Ministério da Educação na dinamização e modernização do ensino profissional no país, incluindo no reforço da oferta de cursos em profissões com maior procura no mercado de trabalho.

Felizmente, a sociedade civil está atenta a estes desafios e tem mostrado maior capacidade de resposta, procurando compensar em parte as limitações do setor público. Um exemplo que destaco é o Programa SerPro, da Iniciativa Educação, com que colaboro como avaliador externo. Este programa tem apoiado cerca de 20 escolas por todo o país, através da modernização dos conteúdos destes cursos e do desenvolvimento de ligações entre as escolas e as empresas de cada região. Mais ligações entre as escolas e as empresas significam mais oportunidades de estágios e empregos para os jovens que frequentam estes cursos – e empresas em melhores condições para crescer.

Outro exemplo da iniciativa da sociedade civil para melhor ligar a educação e o mercado de trabalho é a plataforma MyMentor.pt. Esta plataforma online, lançada na semana passada, com o apoio das fundações Gulbenkian e Santander, e outras entidades, engloba emprego, profissões, formação e competências, incluindo informação detalhada, articulada e em tempo real sobre oportunidades nestas áreas por todo o país. Estou convencido que o MyMentor.pt poderá vir a tornar-se um ponto central para a informação e as decisões sobre educação e mercado de trabalho, colmatando o espaço relativamente vazio deixado pelas entidades públicas.

Como melhorar a ligação entre educação e trabalho em Portugal? Receio que, por muito valiosos que sejam os contributos da sociedade civil, seja necessária uma maior energia da parte do setor público e das lideranças políticas. Sem mudanças importantes a este nível, o desafio do ajustamento educação/trabalho irá continuar a condenar muitos jovens a formações relativamente desajustadas e a salários baixos – bem como a empresas com dificuldades em se expandirem e aumentarem a sua produtividade.

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.