Cavaco Silva, que era considerado o padrinho e mentor da aposta num governo minoritário fez questão de escrever no Expresso, ainda não passados 3 meses sobre a nomeação do Governo, o óbvio: que o País só pode avançar para a frente com um Governo maioritário.
Como disse Passos Coelho na apresentação há 3 anos do meu livro “um Manual para a mudança na Saúde”, há reformas para as quais não se consegue consenso nem vale a pena esperar por ele, porque é da natureza os partidos terem visões diferentes, e que, assim, precisam de ser feitas em confronto. Ora sem o apoio de uma maioria absoluta na Assembleia da República tal não é possível.
O Expresso pôs em manchete que Cavaco defendia eleições. Ora o que na verdade Cavaco escreve como a única solução que vê é: Hipótese específica 3 – Governo com apoio maioritário na Assembleia da República na sequência da realização de eleições legislativas, antecipadas ou não.
O foco é na necessidade de um governo ter o suporte de mais de 50% dos deputados (algo por que me tenho batido nos meus últimos artigos)
Cavaco Silva vem assim pôr um epitáfio na atual solução de governo minoritário.
Sem prejuízo do desempenho excelente do primeiro ministro Luís Montenegro e dos seus ministros, o estado em que o PS deixou o nosso Estado, o feliz aumento do número de idosos, as questões demográficas, a emigração e imigração, implicam reformas profundas no Estado Social e na Administração Pública, não sendo possível empurrar com a barriga nem acreditar que tudo se resume a uma melhor gestão e no centrar a discussão na mais ou menos autonomia na gestão nos sistemas públicos.
Para além de ser necessário romper o generalizado silêncio no debate político sobre o princípio básico da Democracia de que a Democracia assenta no governo da maioria (50%+1) e não da maior minoria, importa saber como conseguir então, agora, o tal governo com apoio maioritário.
Duas vias são possíveis:
a) Recorrer a eleições antecipadas
b) Enterrar machados de guerra e linhas vermelhas à direita
Falar neste momento em eleições antecipadas parece um disparate suicida, quando as últimas foram há escassos 3 meses e o Governo ainda não tem obra implementada para apresentar. Aliás os resultados das Europeias são completamente desencorajadores.
Apontar para o momento da votação (negativa) do Orçamento de Estado também não parece melhor ideia, porque nessa altura já haverá a noção que não existem milagres e os problemas continuam. O governo nessa altura poderá encontrar-se já cercado de reivindicações por todos os lados e com um Ministro das Finanças barricado.
A política centrista seguida pelo Governo elegendo o PS como parceiro preferencial para negociar e evitando tudo o que possa criar atritos com o status quo também não deixa margem de razão para serem precisas eleições.
Apostar em eleições é correr o risco de termos uma Assembleia da República ainda mais pulverizada, e podendo até se voltar a uma maioria de esquerda se os eleitores à direita, zangados com o desperdício do voto que deram em março, ficarem em casa.
As eleições antecipadas na Madeira e nos Açores só pioraram as condições de governabilidade
Ver o que aconteceu com o referendo sobre o Brexit. Veremos o que nos trará o desespero do centrismo francês.
Nos países civilizados as crises políticas não têm que ser resolvidas com eleições antecipadas. Em Inglaterra o partido Conservador mudou 3 vezes de líder, primeiro-ministro e políticas. Na Alemanha e em muitos países europeus fazem-se refazem-se coligações sem ter que se recorrer a eleições.
Convém lembrar que quando o primeiro governo constitucional, minoritário e liderado por Mário Soares, caiu ao ser chumbada uma moção de confiança não se seguiram eleições, mas sim um Governo de Coligação entre o PS e o CDS com apoio da maioria da Assembleia da República.
Assim, para que o País avance a melhor solução será enterrar machados de guerra e linhas vermelhas à direita, e começar de novo. Aliás, esse foi, a meu ver, o sentido de voto da maioria dos eleitores que votaram nos partidos não socialistas e que deve ser respeitado.
As linhas vermelhas não constavam na moção de estratégia com que Montenegro conquistou a liderança do PSD e não me recordo que tenham sido aprovadas em Congresso ou Conselho Nacional do PSD. Apareceram mais como um expediente eleitoral para não se perder votos à esquerda (e foi inútil pois Montenegro teve o mesmo resultado que Rui Rio) e como forma de se ficar com todo o Governo, não partilhando lugares nem políticas. A prazo esta opção levará à destruição do PSD e ao crescer dos extremos. Os partidos populistas combatem-se integrando-os e levando-os a assumir responsabilidades.
Ao fim de 50 anos de democracia estamos a assistir à pulverização do centro e à fragmentação partidária com um deslassar das instituições. Se os atuais partidos não se entenderem a única maioria possível será a da próxima eleição presidencial.
PS. Costa soube preparar e negociar a Geringonça que lhe garantiu transformar uma derrota num Governo estável que durou uma legislatura. Hoje é Presidente do Conselho Europeu. O PSD teve todas as condições para negociar com o Chega e a Iniciativa Liberal uma solução de governo reformista para uma legislatura. O tal Governo de que nos fala Cavaco Silva. Deitou-a fora e transformou uma vitória numa derrota permanente na AR. Apesar de, entretanto, tudo se ter extremado, o interesse nacional tem que se sobrepor a tudo.