Dentista: Bom dia, Dona Rosa, como está, passou bem?
Dona Rosa: Doutor, claro que não estou, se estivesse bem não estava aqui!
Dentista: Então mas de que se queixa?
Dona Rosa: Olhe, de tudo e mais alguma coisa, só de olhar para si tenho medo de fugir, odeio-vos e quase desmaio de ver esta cadeira!
Dentista: Tenha calma, diga lá o que a traz cá.
Dona Rosa: Os dentes, ó doutor, o que havia de ser?
Parece cómico, parece brincadeira, mas é a dura realidade de uma conversa entre o dentista e o seu paciente numa comum consulta de medicina dentária por esse Portugal fora.
Não me venham com tretas, não é uma questão de dinheiro, a odontofobia, vulgo, medo do dentista, representa a maior causa de falta de cuidados de saúde oral em Portugal. O português tendencialmente vive no passado e agarrado às memórias e traumas de infância e adolescência. Não é fora do comum ouvir relatos de pacientes que dizem não vir ao dentista devido a uma anestesia mal dada há 40 ou 50 anos atrás.
O facto de ser do passado não retira às pessoas o medo e o pânico não controlável. O paciente português não consegue dar a volta ao trauma do passado e seguir em frente, seja no dentista ou noutra consulta qualquer. É nosso, é cultural. Agarramo-nos às memórias do tempo do Estado Novo para justificar as nossas opções políticas quase 50 anos depois. Já os alemães deitaram abaixo um muro, e passado 25 anos são uma nação unida e diferente. Os Irlandeses viveram uma guerra “quase civil” há 30 anos e agora são uma nação em franca expansão, etc etc etc, por essa Europa fora.
Diariamente, enquanto dentista com quase 20 anos de experiência, tento arranjar estratégias no consultório para por os pacientes mais à vontade e vencer esta estúpida “odontofobia”:
- ser amável;
- manter o espaço limpo e com bom aspecto;
- demonstrar confiança, humanidade e preocupação;
- criar um ambiente de credibilidade, familiar e de confiança.
Mesmo assim é difícil. Diariamente a odontofobia traz para o interior da consulta o pior que as pessoas têm, fazendo com que os pacientes projetem no médico as suas frustrações pessoais ou receios viscerais. Literalmente somos “sacos de pancada” dos pacientes, sendo obrigados a manter um sorriso e a dar a outra face sob o risco de reclamação ou aumentar mais o trauma que o paciente já tem. Mas cansa, cansa o esforço diário de tentar dar a volta a um povo traumatizado pelo medo da broca ou da “pica”. No final do dia ouvimos relatos de médicos cansados, deprimidos, com burn out, dependentes de álcool e de drogas.
O povo dirá que o maior motivo de falta de cuidados de saúde oral é a falta de dinheiro. É falso. São 50 euros de 6 em 6 meses de uma consulta de rotina que fazem diferença na vida dos portugueses? Não, não é. E odontofobia e desleixo também são motivos, porque, como diz o bom português: “Ó dotor, enquanto não partir e não doer tá bom!”
É importante continuarmos, nós médicos, a tentar desmistificar estes medos e receios. Temos a obrigação moral, ética e profissional de ver todas as pessoas da mesma maneira, com a mesma energia e alegria diariamente. Com as técnicas, materiais e formação profissional dos médicos hoje em dia, NÃO se justifica existir odontofobia. Juntos vamos conseguir eliminar este medo.