Corria o ano de 2006, e eu fazia orgulhosamente o meu juramento de Hipócrates, aquando da cerimónia de encerramento da minha licenciatura em Medicina Dentária. Um dos pontos era:

“Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente.”

Nesse momento, e por todos os anos dali para a frente, apercebi-me que a única forma de tratar todas e todos de forma justa e profissional era fazendo uma análise imparcial, racional e desapaixonada de todos os meus doentes. O médico tem o dever ético e deontológico de tomar decisões concretas e agir de forma profissional, sem juízos de valor ou pessoais. E é só através de um exercício mental e amadurecido que nos conseguimos elevar e ter esta valência de imparcialidade sobre os pacientes.

Posto isto, posso afirmar que assim como na profissão também na vida devemos analisar os assuntos fracturantes de uma forma distante, imparcial racional e desapaixonada. O exercício é simples, basta desligarmos das nossas crenças, elevarmos o espírito e olhar todas as opiniões e divergências de cima, de lá do alto, pondo-nos no lugar dos outros e procurando sentir o que o próximo sente, com humildade e sem soberba. Podemos discutir opiniões diferentes sem perder o controle emocional. É difícil, mas não impossível.

Sendo um defensor de uma direita conservadora e liberal, nunca deixei de poder privar e ser amigo de pessoas que pensam e agem de forma diferente. Já fui muito feliz com pessoas dos diversos quadrantes políticos, musicais, religiosos, etc, e sempre me esforcei por não discriminar qualquer conhecido ou amigo que pensasse ou agisse de forma diferente. No liceu frequentei uma escola pública nos subúrbios de Lisboa com uma elevada percentagem de alunos PALOP’s, muçulmanos, hindus. Posso dizer que brincava, lanchava, almoçava e jogava a bola com todos eles.

Podemos conviver com pessoas diferentes dentro do sistema? Claro que sim. Temos a obrigação de saber respeitar quem dentro do sistema é diferente ou pensa diferente sobre o mesmo? Claro que sim. Mas pensar diferente do sistema não é ser contra o sistema, é sinal de inteligência, assim como é sinal de civismo poder discutir as diferenças de opinião dentro desse mesmo sistema.

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Que estranho fenómeno é este do André “anti sistema” Ventura que movimenta toda uma sociedade? É bastante interessante do ponto de vista sociológico, visto que ele e aqueles que o acompanham são ostracizados ou apontados pela sociedade. Existe uma demonização do movimento Ventura, ao ponto de haver uma certa vergonha ou receio por parte do simpatizante em assumir o apoio a um partido democrático anti-sistema. Pôs-me a pensar, mas que raio, então, mas Portugal é um estado de direito democrático ou Venezuela europeia? Onde está o respeito pela liberdade de opinião de outras pessoas que pensam diferente dentro do mesmo sistema? Será que os valores de Abril que tanto se apregoa estão a ser postos em causa?

Olhemos para a Alemanha, um país com décadas de separação ideológica entre Leste e Ocidente, separados por um muro, e que apenas 32 anos após a sua queda consegue ser uma nação unificada, sem fantasmas que toldam o pensamento de um povo. Nós em décadas de evolução democrática não eliminámos o fantasma do Dr. Salazar. Todo o defensor da democracia fala dos 40 anos obscuros do Estado Novo, mas pouca gente se lembra que nos já 50 anos de democracia, também esta negra, o país foi enterrado em dívidas e corrupção, fruto de governos que “se governam” tendo como base numa constituição que claramente os protege. Descartes, um filosofo Francês do Sec .XVI dizia, “penso, logo existo”. Em Portugal do séc. XXI o lema deveria ser: “Penso, logo sou anti-sistema”

A ameaça à liberdade democrática existe na cabeça daqueles que se sentem ameaçados com o discurso anti-sistema, seja de um Ventura ou de outra pessoa qualquer. Aos políticos e poder público instalado não interessa uma mudança. Nós o Zé povo manipulado pelos mass media, não somos capazes de uma análise imparcial, desapaixonada que nos permita analisar ideias out of the box.  Seria útil para todos conseguirmos debater essas ideias sistema Vs anti-sistema, em democracia, com classe educação e sem ameaças ou condescendência de qualquer parte ou natureza. A imparcialidade e ética impõe-se na análise que fazemos diariamente do espectro político. Não poderão existir espaços para ódio, confronto físico ou ameaça dentro do sistema na discussão sobre o sistema, concorde-se com ele ou não.