1. Vamos então falar sobre futebol. E podemos fazê-lo através de alguns episódios.

Episódio 1. A seleção de Portugal tinha acabado de ganhar o campeonato da Europa, em Julho de 2016, e centenas de milhares de portugueses esperavam pela equipa no aeroporto e nas ruas de Lisboa. Mas um dos “momentos altos” do dia seria a ida da equipa ao Palácio de Belém para uma celebração com o Presidente da República, o PM e outros ministros.

Ainda hoje me lembro das imagens de Belém, as quais deveriam envergonhar qualquer pessoa que tenha uma noção institucional do exercício do poder político. Foi uma vergonha, pelo menos para mim, assistir à competição entre os nossos políticos para ver quem ficava melhor na fotografia com a seleção e com o Ronaldo. Tudo aquilo foi indigno e mau de mais. Eu adoro futebol, estou longe de ser um puritano anti-futebol, e a vitória no Campeonato da Europa foi seguramente uma das maiores alegrias que senti como adepto, mas há limites em relação à imagem pública do poder político e naquele dia foram claramente violados.

O regresso da seleção nacional de França transformou-se num momento de exaltação nacionalista e num episódio de populismo político, nos quais o PR e o PM ocuparam um lugar central. A mensagem que se passou a todos os portugueses foi que o futebol é muito mais do que um jogo, ou de que um desporto, é uma questão de orgulho nacional, e que os jogadores são os verdadeiros heróis da pátria. É assim que se dá legitimidade ao fanatismo.

Episódio 2. Os programas de televisão onde se discute futebol. Quando estou em Portugal numa segunda-feira, é impossível ver um canal de notícias sem se ouvir uma discussão sobre futebol. Todos os canais passam programas para “analisar os lances mais polémicos“ dos jogos do Benfica, Sporting e Porto. Invariavelmente, há três comentadores (um adepto de cada um dos três clubes) e um antigo árbitro. As discussões desafiam qualquer critério de racionalidade que existe no mundo desde o Império Romano. Qualquer grupo de crianças entre os 8 e os 12 anos têm conversas mais sofisticadas do que aquelas almas fanáticas.

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Daqueles programas tiram-se duas conclusões. Em primeiro lugar, não algum jogo de futebol em Portugal sem erros dos árbitros. As televisões usam todos os ângulos e imagens possíveis para descobrirem e exporem esses erros. Em segundo lugar, todos os adeptos em Portugal ficam absolutamente convencidos de que os seus clubes são “roubados pelos árbitros.“ Aqueles programas constituem os maiores estimuladores nacionais do clima de fanatismo e de ódio que existe hoje no futebol em Portugal.

Episódio 3. Uma imagem no Estádio da Luz com o presidente do Benfica, Luis Filipe Vieira, ladeado pelo PM, António Costa e pelo ministro das Finanças, Mário Centeno. Como disse, adoro futebol e acho muito bem que Costa e Centeno também gostem e não tenho qualquer problema com o facto de serem adeptos do Benfica. Mas como PM e ministro das Finanças não devem em caso algum aparecer num jogo de futebol ao lado de um presidente de um clube (e diria exactamente o mesmo se fosse no estádio do meu clube, o FC Porto, com o Pinto da Costa). São imagens como aquela que dão um enorme poder aos presidentes dos clubes de futebol. Sobretudo num momento em que há clubes investigados pela justiça, com dívidas ao fisco e com problemas com empréstimos bancários.

Episódio 4 e o título desta crónica. Ninguém assistiu em público, mas contou-o Manuel Pinho ao Expresso desta semana: “Foi António Costa quem me apresentou Sócrates no camarote do BES no Estádio Luz.” Esta simples frase resume muito do que aconteceu em Portugal na última década. Política, futebol e banca, todos juntos a discutir negócios.

Estes episódios mostram um ponto muito simples. Nos últimos anos, os governantes e as televisões contribuíram para o fanatismo dos adeptos e para fazer das presidências dos maiores clubes portugueses cargos apetecíveis para todo o tipo de oportunistas e gente sem quaisquer escrúpulos.

Os responsáveis políticos estão “chocados” com o que se passou em Alcochete? Pensem no que andaram a fazer nos últimos anos. Querem começar a mudar as coisas? Deixo duas sugestões. Uma, as televisões acabam imediatamente com programas onde se discute as decisões dos árbitros. A outra, os políticos deixam de aparecer em cerimónias públicas com dirigentes do futebol e com os jogadores. Tratem o futebol como tratam a Igreja Católica. São capazes?

2. Obrigado Sérgio Conceição. Disse que adoro futebol e que sou adepto do Porto. Quero aproveitar o fim da época para agradecer ao Sérgio Conceição o título de campeão. A ele se deve, os jogadores foram os mesmos e os dirigentes também. Ele foi a novidade. Colocou o Porto a jogar bom futebol e de ataque e criou uma verdadeira equipa com os jogadores a darem tudo em cada jogo. Criou ainda um entusiasmo único entre os adeptos. Assisti a jogos onde o Porto sofreu as piores derrotas da época, em casa com o Liverpool para a Liga dos Campeões e no Restelo com o Belenenses. Em ambos os jogos, os adeptos ficaram a aplaudir a equipa muitos minutos para além do fim do jogo. No Restelo, não me esqueço dos milhares de portistas a cantarem “quero o Porto campeão”, apesar da equipa ter acabado de perder a liderança do Campeonato naquele jogo. E no fim tivemos mesmo o Porto campeão.

Deixo também as felicitações ao Benfica, quatro anos seguidos a ganhar o Campeonato e um segundo lugar são cinco anos quase perfeitos. E um desejo. Ao contrário do que seria o habitual, hoje gostava que o Sporting ganhasse a Taça de Portugal. Jorge Jesus e os jogadores merecem. A maioria dos adeptos também. E Bruno de Carvalho não merece ver o Aves ganhar.