Se há expressão popular adequada para descrever a actuação do actual governo socialista é “correr atrás do prejuízo”! A mais óbvia dessas correrias é a apregoada “reforma das florestas”, que nunca se fará a sério, apesar mais de uma centena de mortos nos incêndios do Verão passado, e que é o contrário daquilo que António Costa preconizava quando era ministro da Administração Interna. Ora, se essa é a mais patética dessas medidas cozinhadas à pressa, o caso mais descarado é o comportamento absurdo do ministro da Defesa perante o roubo de Tancos sem que o primeiro-ministro o ponha na rua… Na realidade, este governo não tem outra política que não seja sobreviver até às próximas eleições, nem aliás podia ser de outro modo, dada a incompetência da maioria dos seus membros multiplicada pelas guerrilhas movidas pelos dois sustentáculos da “geringonça”.
Entretanto, a comunicação social vive desses “casos”, entre os graves e os risíveis, desde o grave estado do Sistema de Saúde e a dívida colossal da CP ao mistério de Tancos. A única política do governo é lançar “informações” deliberadamente confusas a fim de medir o pulso à “opinião publicada”, como a “reversão das novas freguesias” de que se falava há dias… Como todos sabemos, a única prática que conta é a orçamental. O resto são efeitos colaterais. Os últimos episódios desta farsa contínua são as condenações verbais do primeiro-ministro contra as “desigualdades salariais” e os gritos “esquerdistas” contra a declaração de Mário Centeno acerca da pretensa “saída limpa” da Grécia de um resgate que lhe custou três vezes mais do que o nosso…
Ora, sucede que o governo lançou há menos de uma semana uma das suas habituais “atoardas” a fim de apalpar o terreno. É assim que o PS governa. Segundo o Público (16 de Agosto), fonte desconhecida terá declarado que o gabinete do ministro das Finanças “está a ultimar o projecto para equiparar o regime do sector público ao sector privado”, passando a permitir que os funcionários públicos se reformem depois dos 70 anos. Porquê? O jornal não diz… Habituados a que o governo não dê ponto sem nó, por que razão se lembrou ele desta? A primeira ideia que vem ao espírito das pessoas conscientes da situação crítica do sistema de pensões foi qualquer coisa do género: “eles” querem manter os funcionários a trabalhar a fim de não lhes pagar as pensões e, com essa manobra, poderão aumentar as pequenas pensões em 5 euros…
Porém, quando o mesmo jornal revela no dia seguinte que “são cada vez menos os que só se aposentam aos 70 anos”, pergunta-se o que anda o governo a fazer? A estatística do Público é confusa mas, refazendo as contas, confirma-se que tem havido menos funcionários a reformar-se por limite de idade nos últimos anos de crise: são pouco mais de 4% dos reformados (3.600 em 80.000 de 2012 a 2017) e estão concentrados nas carreiras mais qualificadas.
É caso para perguntar se não haverá aqui um lobby de correligionários do governo que espera chegar ao topo da hierarquia salarial pública e continuar a receber o seu ordenado antes de o ver reduzido a uma pensão bem menor? A verdade é que, pouco antes de a troika ser chamada, ainda existia a possibilidade de alguns funcionários públicos continuarem a trabalhar para lá dos 70 mediante justificação perante o ministro da pasta. O mesmo tem aliás acontecido com médicos aposentados que continuam a trabalhar no SNS, acumulando determinada remuneração com a pensão.
Portanto, ao contrário do que os media dão a entender, os motivos do governo não são meramente libertários. Quanto a mim, as motivações do governo são um misto de aparentes poupanças com que o governo poderia comprar mais uns tantos pequenos pensionistas e, provavelmente, a pressão desse lobby de activistas partidários que se têm apoderado da Função Pública como garantia de pensão em fim de carreira. Ora, uma questão como esta não pode ser decidida desta maneira oportunista!
Acabar ou não com a aposentação compulsória dos funcionários públicos não é uma questão de “liberdade individual”. Tal decisão tem de atender a três princípios: primeiro, o sistema público é efectivamente diferente do privado mas, se os funcionários do Estado são afastados após os 70 anos, os assalariados do sector privado também perdem o vínculo laboral aos 70 e dependem do acordo patronal para continuar a trabalhar; em segundo lugar, é irresponsável minimizar o estado de falência a prazo do actual sistema de pensões; finalmente, sendo em princípio o prolongamento da vida activa uma coisa boa para o envelhecimento galopante da população portuguesa, esse prolongamento arrisca-se a deixar cada vez mais jovens fora do mercado de trabalho. Pessoalmente, não tenho confiança neste governo para tomar uma decisão fundamentada a respeito de um assunto tão importante!