Qualquer tentativa de análise pressupõe alguma contextualização importante a  meu ver. Saídos de nova intervenção da Troika, as eleições de 2015 transformaram-se  num marco muito importante. Em retrospetiva, e com o devido afastamento temporal,  a mesma teve impacto indelével na transformação das dinâmicas partidárias e no  próprio espectro político, no qual Portugal parecia até então inerte. A afamada  “geringonça” marcou pela primeira vez a existência de uma coligação de esquerda no  parlamento, permitindo assim ao Partido Socialista, apesar do seu segundo lugar nas  eleições, governar. Mais do que isto, há um ponto fundamental que não se pode  desconsiderar, isto é, o papel de protesto que partidos como Bloco de Esquerda e PCP  desempenhavam, até então, no plano da competição política.

Assim, com estes partidos na órbita do PS durante todo o mandato, esse mesmo  papel foi esvaziado. Contudo, como já se sabe, não há tal coisa como “vazios” na política.  Nas eleições de 2019 houve já uma ligeira redução do grupo parlamentar do PCP, bem  como o aparecimento de novos atores políticos, nomeadamente Iniciativa Liberal, Livre  e Chega.

A legislatura que daí se encetou, já não “geringonça”, mas sim no que poderemos  chamar posições conjuntas, em que com acordos pontuais com as forças de esquerda o  Partido Socialista foi aprovando orçamentos e prosseguindo com a sua governação.  Sendo assim, estas mesmas forças políticas não poderiam retomar o seu habitual papel e quando assim se aperceberam, já outros assumiriam essa função. Quase como ensaio  premeditado (próprio de empreendedores políticos), nas eleições presenciais de 2021,  um grande resultado de André Ventura (cerca de 500 mil votos), mesmo em bastiões  tradicionalmente comunistas semearia a intriga, o desplante e a estupefação. Algo que  parecia completamente antagónico, mostrou-se realidade, podendo-se denotar aí um  voto movido pelo protesto e não pela ideologia.

A outubro de 2021, com o chumbo do orçamento para 2022, eleições viriam a  ser convocadas. Aqui, o destaque irá evidentemente para a decisão de PCP e BE, decisão  essa que os portugueses iriam castigar duramente no ato eleitoral de 2022, não  conseguindo justificar a razão pela qual lançaram o país para uma inusitada situação de  instabilidade. BE e PCP ficariam reduzidos a um grupo parlamentar de 8 e 5 deputados,  respetivamente. Além disso, uma onda de voto útil com uma vaga de espiral do silêncio,  condições se reuniriam para oferecer ao Partido Socialista uma inusitada, mas tão  esperada maioria absoluta para dar finalmente a estabilidade governativa tão desejada.  De notar também o crescimento da representatividade da IL e Chega, elegendo 8 e 13  deputados respetivamente.

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Como todos sabemos, essa perspetiva de estabilidade foi defraudada, levando nos assim ao ato eleitoral de domingo.

Com uma participação eleitoral como há muito não se via, o destaque está na vitória da  Aliança Democrática bem como no enorme crescimento da representação parlamentar  do Chega.

Mais a frio e longe de retóricas emocionais, analisando o número de votos dos  partidos, em relação ao sufrágio de 2022, vê-se que a AD ganhando, o aumento do  número de votos para a anterior votação, mesmo somando votos de CDS e PPM, não foi  de todo significativo. Sendo verdade que mais pessoas votaram, os dados poderão  indicar alguma transferência direta de voto do PS para o Chega. Sendo assim, estes indicativos atestam o falhanço do anterior mandato por parte do governo de António  Costa.

Evidentemente tanto este facto, como o descontentamento da parte dos  portugueses pela paralisia dos principais partidos, poderá explicar o crescimento  eleitoral do partido de André Ventura. Contudo, não podemos ignorar o papel de  protesto que o mesmo assumiu, após BE e PCP, dadas as circunstâncias, deixarem  de o desempenhar.

É verdade que neste momento há mais questões do que respostas, mas é algo  que devemos ter em mente.

Sendo assim, até que ponto o esvaziamento dos partidos de esquerda pelo próprio PS não permitiu o sucesso eleitoral do Chega? E sendo ainda mais audaz, se alguma vez  André Ventura tiver de deixar esse papel, não se verificará um esvaziamento do próprio  partido?

Já com atraso, não será hora de os partidos da esquerda, mas também de PSD,  assumirem que falharam e repensarem a sua estratégia e relacionamento com o  eleitorado e os seus problemas? Um descarte de responsabilidade por alegação de  circunstâncias alheias, parece, no mínimo, contraproducente. Uma última nota para o  excelente discurso de derrota de Pedro Nuno Santos, talvez já numa perspetiva de pré campanha, mas mesmo assim com o foco correto.

Destacar o ponto positivo do aumento da participação eleitoral, veremos é, se o élan democrático se mantém, no caso de voltarmos a eleições num curto espaço de  tempo. Além de ser uma tarefa permanente, a democracia também é democracia,  mesmo quando a mesma produz resultados dos quais não nos convém ou não gostamos.