Grand Junction, Colorado (EUA) — Não há nada de novo a assinalar. Mal dormi. Voltei a tentar mandar umas fotos para o Observador, mas adormeci de luz acesa e óculos no rosto. É o último dia em missão, mas dou-me por vencido: ou estou velho e cansado, ou esta estação me tem no limiar da exaustão física.
Depois de uma noitada sob as estrelas, surpreende-me que estejamos todos de pé antes das 7h00, mas estamos. A Aga informa-nos, rindo, de que terá recebido uma visita noturna da Alice, mas não parece particularmente incomodada. Concordamos que é chegada a hora de concedermos a este persistente ratinho-do-deserto estatuto oficial como número sete entre os Magnificent Seven [o nome da tripulação, escolhido quando ainda eram sete].
Por muito que tentemos expulsá-la — e como tentámos! — somos obrigados a aceitar que ela é das nossas. Até a comandante o aceita, ainda que tacitamente, mas não sem acrescentar que “não nos devemos esquecer de que os ratos não têm bexiga, ou seja, sempre que andam por aqui, andam a urinar no nosso espaço”. Termina num tom displicente.
Durante mais de uma hora, com o sol nascente marciano desta época do ano a projetar-se na parede do fundo, fazemos as últimas limpezas, lavamos os últimos pratos, estendemos os últimos panos, varremos os últimos quartos. O burburinho é intenso. Uma a uma, as malas são descidas para o piso térreo, numa fila de formigas em cooperação relativamente eficaz. Afinal, como concluíramos na noite anterior, somos uma equipa funcional.
Quando nos sentamos para um breve pequeno-almoço, ponho a tocar “We Are All Made of Stars”, de Moby. É a nossa última canção matutina e tomamos café às gargalhadas, que não é nada de novo para estes seis seres humanos que mal se conheciam há duas semanas. Apesar de tudo, rimos imenso durante este período.
A comandante corrige a minha nota anterior: somos muito mais do que funcionais. Aliás, relembrando o que escreveu no nosso relatório final:
“É importante notar que rir juntos não deve ser considerado apenas um prazer efémero. Estudos demonstram que o humor partilhado terá provavelmente uma função na seleção de tripulações a caminho de Marte. O riso é uma ferramenta interpessoal essencial para lidar com a monotonia causada por períodos prolongados de isolamento, rotina, e monotonia social. Beneficia a moral e cumpre uma função importante na expressão socialmente aceite de frustrações e insatisfações, evitando stress e conflito adicionais. As tripulações que riem juntas [como nós] têm sido demonstravelmente mais produtivas e mais eficazes, e permanecem mais provavelmente ‘intactas’, em vez de se dividirem em cliques e subgrupos.”
Necessitarei de mais tempo para processar esta experiência, mas não deixa de ser incrível que seis seres humanos tão díspares em idades, experiências, e personalidades se tenham dado tão bem durante tanto tempo.
O desafio final é o de instalar a nossa bagagem no carro da tripulação, que fora estacionado à nossa porta durante a noite. Ninguém disputa o meu reinado supremo como fazedor de Tetris de malas, e todos ajudam. Demora-nos uns vinte minutos, mas finalmente encaixo tudo na perfeição e fecho a bagageira. Fechamos a airlock uma última vez, e partimos às 9h02 da manhã, com precisão militar. Ninguém se apresenta nas despedidas.