1 Faz sentido prever 160 milhões de passageiros para um novo aeroporto em Lisboa, ainda que daqui a 40 ou 50 anos? A sério, 16 vezes a população do país? Em que mundo vivem os académicos responsáveis pelo Anexo 2 e de forma geral pelo “estudo económico” para o novo aeroporto?

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As previsões desta figura 6 desse anexo propõem uma evolução do turismo em Portugal como se não existissem factores limitativos, como capacidade e saturação. Mas Lisboa está saturada. O Porto está saturado. O Algarve não comporta mais gente. A Comporta jamais será gentrificada. O Sudoeste Alentejano (que Deus o guarde) está protegido. Dos actuais ~20 milhões de turistas anuais, Portugal pode crescer um pouco mais – para o interior e também um pouco pelo país fora dos picos naturais de sazonalidade. Será plausível chegarmos a 30 ou até 40 milhões de turistas — um múltiplo de 3-4 sobre a população. É irrazoável pensar que podemos ir além disto, pois a atractividade do país desceria muito (já está a declinar em vários aspectos). Não somos Veneza. Também não conseguimos empilhar Palácios da Pena uns em cima dos outros.

2 Porque falo em múltiplos? Porque é o que qualquer consultor faria (e eu não sou apenas académico). A França, líder mundial no turismo, tem ~90 milhões de turistas por ano e ~68 milhões de população. Portanto, um múltiplo de 1.3. A Espanha tem ~84 milhões de turistas para ~48 milhões de população – um múltiplo de 1.8.

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Só por aqui percebemos que, dentro do panorama europeu – que é onde competimos, juntamente com os países do Mediterrâneo Sul –, os maiores países terão, num mercado desenvolvido e no ponto (estável) de saturação, rácios turistas/população que não estarão acima de 2.

Claro que em países pequenos o rácio é expectavelmente maior. A Islândia tem uma população que não chega a 400 mil habitantes e um rácio de 6.6. Malta tem um rácio de 5.3 e uma população de pouco mais de 500 mil habitantes. Países de dimensão média, à escala europeia, têm rácios entre 2 e 3. A Áustria tem um rácio de 3.4 e cerca de 10 milhões de população. Dinamarca e Irlanda, com cerca de 5 milhões de habitantes, têm 1.9 e 2.1, respectivamente.

Além do inconcebível esquecimento do problema da “atractividade” e saturação, por parte dos economistas no estudo, há outra falha grave, desta vez “eurocêntrica”: é perfeitamente possível que o turismo mundial cresça a uma taxa anual aproximada de 2%, sem que isso seja verosímil para a velha e estável Europa. É que só a China e a Índia têm hoje praticamente 3 mil milhões de habitantes. Em breve poderão chegar a 4 ou 5 mil milhões. E basta que 20% da população desses países comece a turistar para que as previsões façam sentido. Só que eles não virão para a Europa.

Uma leitura atenta dos “fenómenos” Barcelona ou Praga, cidades que estiveram na “berra” e depois “estabilizaram”, demonstra isto cabalmente: os turistas estabilizaram nos últimos 10-20 anos. Lisboa está agora na moda, mas é natural que nos próximos 5-10 anos venha a perder parte da sua novidade e encanto (o que dava um tratado, separado) e os seus turistas estabilizem.

3 Nunca coisa Galamba tinha razão: a escolha do aeroporto será sempre política. Sem entrar nos aspectos técnicos que não domino (ecologia e passarada, pontes e ferrovia), algumas coisas parecem-me merecer especial relevo:

(i) O foco deve estar os turistas e não nos “passageiros”. A ideia do Hub Intercontinental é mais uma ideia pouco prudente e hiper-optimista, que encherá os bolsos de alguns, que não os contribuintes. Mais uma vez, alguém acredita que Lisboa possa destronar Londres, ou tirar-lhe muito do seu tráfego actual? Depois do desastre que foi o aeroporto de Beja, às moscas, das SCUT que tornaram a vida de milhares num verdadeiro inferno (obrigado, Carlos Guimarães Pinto, pela coragem em levantar o tema), queremos mesmo que o Estado financie obras que só trarão benefícios a alguns privados?

(ii) Os principais critérios para a construção de um novo aeroporto deverão ser a prudência e a economia de meios; depois, uma proposta de valor inteligente que optimize os diferentes “tipos” de turismo.

4 Quanto às opções, a prudência e a economia de meios sugerem algumas coisas: evitar exigência de novas infraestruturas de apoio, sejam pontes, TGV, comboios ou auto-estradas; evitar um aeroporto demasiado grande, assente nas expectativas já desmascaradas.

Não tenho por seguro que a Portela esteja esgotada – está saturada nos picos de sazonalidade, e então?

Primeira solução: manter a Portela e aumentar taxas de turismo – que iriam directamente para abate da dívida pública. Isto se a estratégia de turismo fosse assumidamente de “valor”, não de “volume”. Obviamente que isto não é popular. É a chamada opção “Butão”. Vêm cá poucos e não há tanta confusão. Talvez mereça mais atenção do que à primeira vista parece, pois acredito que já estamos bastante saturados em Lisboa e arredores.

Segunda solução: manter a Portela como aeroporto “premium” e construir um aeroporto vocacionado para “low cost”, a 30-45 minutos de Lisboa, a Norte, beneficiando das autoestradas e linhas férreas já existentes, e também ficando mais próximo da parte do país onde o potencial de crescimento é maior: o interior.

Terceira solução: desmantelar a Portela, vender os terrenos e construir um aeroporto de raiz (de forma faseada, naturalmente). Mais uma vez, preferencialmente a Norte, por uma questão de custos.

Não vi os anexos da passarada, mas Santarém não tem espaço suficiente para que o PAN se ponha de acordo?

Em suma: tento nos gastos, nas previsões, na megalomania. Portugal, Lisboa e Porto estão na berra, mas já estão em maturidade e saturação. Um novo aeroporto deverá minimizar custos acessórios e, só por isso, ser a Norte de Lisboa. Com o benefício adicional de estar mais próximo da parte do país onde o potencial de crescimento será maior.

Sem falsas modéstias, conheço bem os méritos e deméritos dos consultores e dos acadêmicos. Compreendo que politicamente fosse insustentável pedir um relatório “apenas” a uma consultora como a Mckinsey ou BCG, por outro lado, a falta de visão estratégica e de capacidade de usar os frameworks mais relevantes, nomeadamente, uma simples matriz de duas dimensões – com tamanho do país num eixo e, no outro, grau de maturidade do turismo, evidenciando o “rácio turista/população” o indicativo para cada situação – é confrangedora.

E não é preciso alongar-me mais sobre quão “benéfico” – e para quem – é esta ideia de um número de turistas praticamente infinito.