Num 1 de Fevereiro um homem que não tinha medo foi morto ao chegar a Lisboa por quem pensava que com ele desapareceria uma dada ideia de país e de sociedade. E a verdade é que, como disse o Professor Adriano Moreira, depois do seu assassinato o país nunca mais se reconciliou em pleno com a figura do chefe de estado. Sabe-se o porquê (ou parte dele), conhecem-se alguns dos apoios externos, a actuação da Carbonária e a ligação ao Hospital Inglês, nomes de mandantes e actuantes, alguns deles diretamente relacionados com a República que viria dois anos depois.
O perigo era conhecido mas o sentido de dever deste homem, mais forte. Tal como agora, o país precisava de confiança. E D. Carlos, neto do unificador de Itália, sabia a importância de cada gesto e de cada posição a tomar.
Exemplar na forma plena com que desempenhou o seu papel constitucional de Rei moderador, quis mudar o país, deu exemplo e pagou com a vida o seu amor a Portugal. Muito para além do seu tempo, impulsionou o conhecimento do Mar e da Ciência, promoveu a Cultura e as relações diplomáticas e uma dada forma de ser português. Foi um espírito livre e aberto que quis fazer um país diferente. O primeiro dos portugueses, como gostava de ser conhecido. Não ficou por aquilo que dele era esperado, foi muito mais do que isso.
Percebendo a importância do Portugal Atlântico, do reforço da soberania e do equilíbrio geopolítico que se desenhava a nível mundial, contribuiu para a reestruturação do Exército e da Marinha e escolheu entre os melhores aqueles que enviou para os territórios africanos em missões de reconhecimento que se viriam a revelar decisivas ao longo de todo o século XX. Sem o seu impulso e a sua visão, a presença portuguesa em África teria sido absorvida pelos interesses das grandes potências europeias e grande parte do que é hoje a comunidade lusófona não existiria. Talvez seja também essa uma das chaves para compreender as verdadeiras razões do seu assassinato. Sem um chefe de estado em Portugal com as características de D. Carlos ficava o caminho mais facilitado para que as colónias portuguesas fossem divididas entre Inglaterra e Alemanha, num efeito semelhante ao que se verificará mais tarde entre os EUA e a URSS.
Independentemente da nossa posição ideológica, é evidente a necessidade de uma liderança cuja capital seja capaz de reposicionar Portugal no plano mundial. Quem matou o Rei contribuiu para a perda do rumo do país no último século mas não destruiu o desígnio nacional de elo de ligação entre a Europa e o resto do mundo que é o nosso. O verdadeiro legado do português que foi o Rei Dom Carlos continua vivo. Para que, como num dos seus mais bonitos quadros, a Noite se torne Dia. Como ele gostaria de ser lembrado: ao leme, olhando em frente. Ouvindo todos, percebendo o presente e preparando o futuro. D. Carlos e nós.