Noutro Dezembro mas de 1807, escrevia Napoleão Bonaparte a Junot que então ocupara, ao que parecia facilmente, Lisboa: “Não tem nenhum conhecimento do génio dos portugueses. Vigie os soldados do exército (entretanto desmantelado) quando voltarem para as suas casas, caso contrário formarão núcleos no interior e será vergonhosamente expulso se nada fizer“. Sabemos hoje que, a bem aqui da Pátria, não o ouviu o general e que razão tinha o Imperador. A resistência aparece quase desde o primeiro momento, esperando liderança, ao princípio mais passiva, menos organizada e depois tão forte como o era a barbárie física e moral que naqueles anos terríveis os portugueses suportaram e superaram. Com a corte no Brasil, com grande parte da suposta elite distante dos interesses portugueses e vendida aos franceses, foi o génio e a vontade portuguesa que fizeram que por todo o país aparecessem movimentos e chefias locais de diversas origens sociais mas congregadas nesse valor maior que era (e é) a vontade soberana de um povo.

Já tinha sido assim em 1640, no continente e nos territórios além-mar, no início do que seria uma longa luta até à expulsão definitiva dos espanhóis de território português. O 1º de Dezembro que agora se comemora. Em alturas limite a resposta veio. Ainda que com comandos cada vez mais frágeis, a população respondeu e assumiu o seu papel. Não ficou à espera do eterno D.Sebastião.

Pensei nisso neste verão, em Sagres. Numa conversa que surge num acaso, um casal sul-africano, bem conhecedor da nossa história e curioso sobre o nosso presente, perguntava- me onde estavam agora os Portugueses. O que tinha acontecido a Portugal para que chegássemos aqui assim. Que havia cientistas, escritores, artistas, desportistas, mas que a dimensão nacional tinha partido. Um porquê que agora, a poucos meses de novas eleições, ganha ainda maior relevância.

Respondi com os mais do que válidos argumentos da falta de liderança, de inexistência de estratégia global, do desinvestimento na educação, na incapacidade crónica de organização do Estado, da degradação das Instituições. Mas logo a seguir lembrei-me do tal génio e da tal força e não lhes quis (ou a mim mesma) dar razão. Novos ciclos que nunca tivemos medo de começar, a nossa eterna capacidade de reinventar.

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E falei-lhes da língua portuguesa, dos milhões que em todo o mundo têm lá dentro um bocadinho daquilo que faz ser português, dessa riqueza enorme que é ou pode ser fazer parte desta civilização lusíada que é a nossa, da não resignação em deixar que Portugal fique para trás. Da identidade comum que não se explica de outra forma. Da Lisboa das sete colinas e de tantas partidas, ponto de união de tantos chegadas.

Ela sorriu e disse-me: “Sabe, tem razão. Conheço alguns deles. Cresci ao pé do Cape of Good Hope e por isso também estamos aqui. Vendo bem, só um povo podia dar esse nome a um cabo.” O da Boa Esperança.

Verdade é que já dobrámos outros cabos e outras tormentas. Mais difícil agora? Talvez. Mas, afinal, todos eles foram, para além da esperança, os da concretização. Vamos precisar muito disso no ano que aí vem.