Chamemos-lhe Francisco Joaquim para lhe dar vida. Era miúdo nas invasões francesas e viu o pai mobilizar as milícias da terra onde viviam contra o invasor. Todos contavam e, por estarem treinados, terem confiança no seu comandante e saberem o que é não sermos um país independente começaram a fazer o que até ali parecia impossível. Havia propósito, havia coragem, havia chefia. Multiplicados por quase todo o território foram a retaguarda que possibilitou o triunfo militar e o resultado que conhecemos, o princípio do fim da tentativa de hegemonia napoleónica do continente europeu. Portugal salvava-se todos os dias.

Deve ter sido ali que ele aprendeu, ao vivo e a cores, algumas delas até demasiado vivas, que há valores maiores que fazem um país e que, no limite ou em situações limites, ele só pode ser defendido quando preparado para tal e com quem o lidere. E que contra interesses externos se responde com identidade, resiliência e espírito de comunidade. Nada que não vejamos hoje mas do outro lado da Europa. Foi também talvez por isso que, quando mais tarde rebentou a guerra civil, acabado de casar, lutou pelo que acreditava e foi um dos representantes do povo nas cortes de 1828 que aclamaram D. Miguel como Rei. E não era fácil ir contra a maré liberal que nas suas bandas existia. Ou que mais tarde se envolveu na Patuleia contra o domínio dos Cabrais e do que eles representavam e que se tornou presidente de uma câmara importante deste país. Não terá dado grande importância ao cargo, que o que importava era o meio de serviço que ele possibilitava.

Também por isso deve ter ficado orgulhoso quando um dos seus filhos se tornou primeiro-ministro, apesar do caminho para chegar ao objectivo de fazer um país melhor ser diferente do seu e outros deles o servirem noutras áreas. Uma delas a de registar para a história a História deste país. Várias cartas há, aliás, em que lhes relembra preocupado, como diria Oliveira Martins, que a política tinha passado a ser um modo de vida de alguns, não uma parcela da vida de todos. Tão actual, no fundo, que tudo isto é.

Ao produto de uma dada concepção de sociedade centrada no bem comum que ele e tantos outros representavam, contrapunham-se os recém-chegados devoristas que Vasco Pulido Valente genialmente descreveu e analisou. Ou a tomada de poder pelas oligarquias políticas e financeiras que perdura até hoje e que levou também à cada vez maior debilidade e descredibilização das instituições base do Estado.

Episódios recentes mostram o impacto que tantas décadas de impressões gerais em vez de planeamento, de pensamento vago e ao sabor do vento, do culto do individual em lugar do colectivo, de devorismo a mais e de franciscos joaquins a menos tiveram e têm em Portugal. Resta saber que elites ainda vamos a tempo de conseguir criar para a mobilização da consciência nacional, decisiva em momentos que podem ser de ruptura como este. Ou se os danos na estrutura deste navio chamado Portugal são já demasiado profundos para que tal aconteça, pondo em causa o que dávamos por adquirido. Porque, como escreveu há dias António Barreto, pode ser que desta vez as coisas não corram mesmo bem no que respeita à democracia, à liberdade e, acrescento eu, à nossa segurança e à nossa soberania. Anti-devoristas precisam-se pois e com urgência.

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