O Estado de Direito não pode compadecer-se com a opacidade das suas instituições. Se é verdade que antes de ontem António Costa caiu de um parágrafo abaixo, é igualmente verdade que tal parágrafo, numa primeira leitura, é, no mínimo, vago, e isso, do Ministério Público, não o podemos aceitar. Este parágrafo teria sempre de ser conducente a inequívocos esclarecimentos; e mais do que o direito, teríamos o dever de os exigirmos, e a breve tempo. E temos.

Porém, hoje, numa segunda leitura do mesmo parágrafo à luz da descoberta de mais de 75.000 euros entre os livros das estantes do gabinete de Vítor Escária, e sabendo que este dinheiro vivo não se destina a incentivos à leitura, a percepção sobre aquele parágrafo muda. Não digo que os factos mudaram. Mas a percepção, sim. De repente, é outro texto. Torna-se necessariamente vago para salvaguardar as diligências em curso.

Pior. António Costa, que obviamente presumimos inocente, aparece contaminado pelo seu Chefe de Gabinete. Mas não apenas.

A própria rede de influências substancia-se – e equipará-la aos lobbies que Portugal não tem e deveria ter, não é honesto: os lobbies têm regulação e os lobbistas não fazem parte dos governos. À relação entre Lacerda Machado e Escária para a questão do Centro de Dados de Sines soma-se a do Chefe de Gabinete da Presidência do Conselho de Ministros que terá assessorado juridicamente aquela empresa. A Start Campus está no governo? Foi eleita por quem? Sobre o papel de Galamba nem há o que dizer, afinal materializa a inqualificável destruição da confiança nas instituições que nos devem salvaguardar.

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Nada do que tem acontecido neste último ano e meio é, infelizmente, surpreendente. Surpreendente foi a maioria absoluta deste PS. Surpreendente foi a escolha de equipa que António Costa fez, a qual, de maus a péssimos incidentes, criou um modus faciendi de informalidade e irregularidades várias e sucessivas. Resta saber se criminosas.

Há outro PS. Que deveria ter sido o filtro deste – tal como o CDS-PP deveria ter sido o filtro do Chega e o PSD da Iniciativa liberal. Não foi. Não foram. É tempo de o serem.

O país está por um fio: do caos no SNS ao da Educação, da TAP à miséria da CP, e a tudo isto acresce a dificuldade da maioria dos portugueses em fazer face a um dia a dia inflacionado onde a habitação é uma espada sobre a cabeça e a imigração o destino natural da juventude qualificada. Isto para não falar na execução do PRR. Ou na recessão à espreita. E não há uma boa solução. Há duas soluções: a má e a menos má.

Uma será manter o governo. Mas mesmo com uma remodelação profunda não reparará a confiança perdida – a maioria dos portugueses não quer tal.

A outra será a dissolução do Parlamento. Mas não há uma alternativa credível com Montenegro. Queremos uma solução espanhola mas à direita? Em que os interesses partidários se sobrepõem aos interesses do país? Um ciclo instável? Não.

É precisa uma visão de futuro e capacidade de execução. Seria preciso um PSD competente, maduro e escrutinado capaz de esvaziar parte do Chega e da IL, e capaz de nos devolver uma ideia de Portugal.

Sou pessimista. Duvido. Mas veremos.

PS: O Presidente da república acaba de dissolver a Assembleia da República e de anunciar eleições a 10 de Março.