O novo aeroporto de Lisboa arrisca-se a ser o Bei de Tunes de quem nestes dias tem uma prosa para fazer. À falta de melhor assunto, o coitado do aeroporto leva uma “tunda desesperada” sem ter sido visto. É testar a paciência do leitor, mas vou insistir num tema: porque é que já temos três decisões de localização do novo aeroporto – Ota, Alcochete e Montijo – e vamos a caminho da quarta? Isto, só nos últimos 25 anos. Que não se diga que não há capacidade de decisão. Mas tem de haver qualquer coisa que falta porque, por três vezes, até agora, se voltou atrás depois de uma decisão tomada. Nenhuma das anteriores decisões era boa? Mas, nesse caso, como é que o decisor foi induzido a tomar uma má decisão? Uma delas era boa? Qual? E então porque é que não se manteve?
Vale a pena parar e pensar, não na decisão, mas no processo que utilizamos para decidir. Se necessário, voltar atrás pode ser boa ideia. Imagine-se que D. Sebastião tinha tido pachorra para isso. Tudo seria diferente.
Podemos sempre perguntar sobre os motivos pelos quais uma decisão foi rejeitada e substituída por outras. Há a abordagem clubística do assunto, talvez a mais popular. As pessoas defendem ou criticam uma decisão consoante os partidos que as tomam, ou as suas conveniências políticas imediatas. Noutros casos criticam-se as decisões porque se acha que não foram considerados determinados aspetos, ou que foram considerados de forma enviesada. Outros, pelo contrário, acham que são ponderados demasiados critérios, quando bastaria olhar para dois ou três. Isto sem falar dos que são mais diretamente interessados e têm influência política e logo se manifestam eficazmente a favor, se lhes convém, e contra, se têm alguma coisa a perder. Provavelmente a decisão toma-se, ou muda, quando subconjuntos destes grupos de interessados reúnem força suficiente e conseguem influenciar o governo.
Foi um avanço a ideia de que a decisão deve ter, pelo menos, o acordo dos principais partidos, e ser uma escolha entre alternativas avaliadas tecnicamente e de forma transparente. A prática recente é boa, mas não deve ser o fim do processo. Vale a pena densificar a forma como se produz e valida o trabalho técnico e como este é enquadrado na fase final do processo político. Se o processo de decisão for aceite por todos, fica mais difícil rejeitá-la. O ideal deve ser estabelecer procedimentos gerais aplicáveis a um conjunto de obras públicas ou a decisões com maior relevo na vida económica privada. Se funcionar com o aeroporto, deve funcionar com o TGV ou com outras iniciativas públicas.
Isto, admitindo que no caso do aeroporto todas as escolhas são igualmente possíveis, o que não é realista. As decisões anteriores não tiveram consequências iguais. Não fazendo o aeroporto na Ota nem em Alcochete perde-se o dinheiro dos estudos que se fizeram, mas não se perde muito mais, do que se sabe. No caso do Montijo pode não ser bem assim. A decisão que foi tomada está relacionada com um contrato de concessão com uma empresa privada, que tem direitos e obrigações. Se, dentro das regras da concessão houver custos para abandonar a localização no Montijo e se esses custos forem muito altos, o caso pode ser diferente. Algumas das opções consideradas são mais possíveis do que as outras, por assim dizer.
Mas mesmo isto não invalida a necessidade de se ter um processo de decisão saudável. Qualquer que seja a circunstância, vale a pena um esforço adicional para fazer tudo bem. Para o próximo aeroporto, daqui a 60 anos, ou, melhor ainda, para a próxima grande obra pública, já sabemos como é que havemos de fazer.