John Locke via a liberdade no sentido de ser e estar livremente em sociedade sem restrições impostas pelo Estado — nomeadamente sem opressão ao livre arbítrio no pensamento, no comportamento ou na vivência — mas de uma forma responsável e de acordo com a lei.

Foi neste espírito que Locke escreveu há 330 anos que cada um é livre de ter a sua propriedade, e que a propriedade de cada um depende do trabalho e do esforço na sua obtenção, sendo a base para a justiça na distribuição do rendimento.

Passado todo este tempo verificamos que a noção de justiça passou a confundir-se com igualitarismo, e que mais trabalho, maior esforço e até alguma sorte não garantem maior propriedade nos tempos em que vivemos.

Em 2019, a ideia de liberdade de Locke apenas se aplica a 60% da “propriedade” (leia-se rendimento) dos portugueses pois os restantes 40% traduzem-se em restrições impostas pelo Estado. Como este é um valor médio, a restrição imposta a muitas famílias ultrapassa facilmente os 50%.

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Isto verifica-se pelo facto de a grande maioria dos impostos que os portugueses pagam (quase dois terços) não serem explícitos e, por isso, as pessoas não se aperceberem que os estão a pagar. Para quem acha que paga muito IRS fique a saber que lhe é imposto quase o dobro na compra de bens e serviços.

Pense, por exemplo, na utilização de um carro comprado a crédito. Paga o imposto automóvel e o IVA que incide sobre o valor do carro e sobre o valor do imposto automóvel pago. Paga impostos sobre os combustíveis mais o IVA que incide sobre o valor do combustível e sobre o valor do imposto pago. Paga imposto de circulação. Paga imposto de selo sobre o contrato de financiamento. Para além disso, é obrigado a fazer um seguro que não é barato e sobre o qual tem de pagar imposto de selo e ainda 2 taxas (para o INEM e para o Fundo de Garantia Automóvel).

Mas não é só isto, pois ainda paga IRS sobre o rendimento que usou para comprar o carro e para liquidar os 9 “impostos” que já pagou alegremente. No total, paga 10 “impostos” sobre o rendimento que vai usar para a utilização de um bem como um automóvel, para além de outros custos como portagens ou estacionamento.

Pense na asfixia das pessoas que vivem fora dos centros urbanos, seja no interior ou no litoral, e para quem o carro é essencial para a sua vida. Ou pense nas pessoas que vivem nos centros urbanos e querem ir visitar a família em qualquer ponto de Portugal. A grande maioria ignora o que lhe é imposto e o Estado faz tudo para que se mantenham nesta ignorância.

Outro exemplo: a Autoridade de Supervisão de Seguros apresenta na sua página o que nos é imposto quando fazemos um seguro em Portugal. São “apenas” 8 “impostos”, podendo os mais sarcásticos argumentar que ainda há muito espaço para “crescer”.

Agora percebe porque é que não se apercebe dos impostos que paga? Não acredite quando lhe dizem que ainda mais é imposto na “Europa desenvolvida”. Em Portugal, do rendimento mensal de 1000 fica a liberdade de gastar 600. Para os habitantes da “Europa Desenvolvida”, do rendimento mensal de 1500 são livres de gastar 900.

Os “impostos” sobre a aquisição de tabaco, bebidas, refrigerantes, bolos, electricidade, combustíveis, automóvel, circulação, audiovisual, recursos florestais, direitos de autor, sal e outros, para além do IVA que abrange as restantes compras que fazemos quotidianamente, representam a maior fatia da asfixia sobre a nossa liberdade.

Os que não pagam IRS entregam tudo sob a forma de impostos indirectos ou de contribuições sociais. Há quem argumente que contribuições sociais não devem ser misturadas com impostos. Mas isso é só na teoria porque na realidade o valor entregue mensalmente à Segurança Social é imposto, não é livre, e vai para o colectivo e não para nenhuma conta individual que esteja em nosso nome. Os mais jovens questionam-se, com razão, se algum dia irão ver o retorno das entregas que fazem.

Em termos práticos, os que acham que estão a trabalhar e a esforçar-se para ter maior propriedade ficam a saber que por cada 100 euros que ganham têm de entregar quase 40 ao Estado. Estes são os números para as famílias que o INE publica.

Os quase 40% entregues ao Estado passam para os que têm direitos adquiridos — um conceito que não existia no tempo de Locke — e que são conseguidos principalmente pela sua maior capacidade de reivindicação, melhores contactos junto do poder e pelo preconceito igualitário que hoje predomina na nossa sociedade.

Ao vermos a nossa propriedade ser lenta, mas inexoravelmente, defraudada vamos ficando cada vez mais asfixiados e com uma liberdade progressivamente reduzida. E com o que nos é imposto vamos vivendo alegremente, cantando e rindo.

Ricardo Pinheiro Alves é economista. O texto reflecte apenas a opinião do autor.