No dia 7 de julho, Marco Capitão Ferreira, secretário de Estado da Defesa Nacional, pediu a demissão, na sequência de buscas da Polícia Judiciária e do Ministério Público na sua casa e nas instalações da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, das quais resultou a sua constituição como arguido por suspeitas de corrupção e participação económica em negócio.
No dia seguinte, o primeiro-ministro foi interpelado pelos jornalistas e menorizou o caso, afirmando: “Nós vamo-nos concentrar hoje naquilo que importa à vida dos portugueses, e, sem querer diminuir aquilo que preocupa muito os comentadores e o espaço político, aquilo que eu sinto que preocupa as pessoas são temas bastante diferentes“, de entre os quais enumerou a inflação, a melhoria dos rendimentos, o SNS e a transformação da economia.
Parece ficção, mas esta reação de António Costa aconteceu mesmo. E, nesta senda quase cinematográfica, lembrei-me da consideração de Manoel de Oliveira de que “nenhuma arte simula a vida como o cinema“.
Pois bem, no filme A canção de Lisboa, realizado por José Cottinelli Telmo e estreado em 1933, e que teve um remake em 2016 por Pedro Varela, o protagonista Vasco Santana profere uma frase que se tornou célebre e se perpetuou nos ditos das pessoas: “Chapéus há muitos, seu palerma!”. Esta expressão “significa que os acessórios não são importantes ou então [é usada] para desvalorizar ou relativizar uma perda de valor menor, porque o que importa (…) é o corpo, a cabeça e não o chapéu que a cobre”, tal como explica Diogo Infante a Nuno Markl num episódio do programa Cuidado com a língua! (2007), da RTP.
Pareceu que António Costa encarnou Vasco Santana. Só lhe faltou soltar o aforismo.
É que o chefe do executivo deu a entender que a corrupção é um assunto menor. É como os chapéus: há muita e, por isso, pode ser desvalorizada. Ou então é caso para notar que, para o primeiro-ministro, demissões de governantes há muitas (já são 13 saídas em 15 meses!) e, por isso, não merecem atenção.
Enfim, porque a realidade e o cimena caminham de mãos dadas, talvez seja altura para uma nova versão do filme: A canção do Governo de Portugal, em que o protagonista, em vez de chapéus, banaliza a carga demissional que caracteriza o executivo que lidera.