Se a memória não me falha, foi em Outubro do ano passado que, num “Expresso da Meia-Noite”, na SIC Notícias, o actual porta-voz do Partido Socialista fez uma afirmação notável. Activando o meio neurónio que o salva da irrelevância social e política, o cidadão João Torres cumpriu o seu papel de fiel servidor dos chefes e esclareceu o bom e ignorante povo (o qual, talvez por ser, de facto, generoso e ignorante, o elegeu seu representante) do seguinte: com Passos Coelho, os jovens emigravam porque o Primeiro-ministro os mandava embora; agora, com António Costa, emigram porque querem. É uma diferença avassaladora que ali foi notada pelo brilhante deputado da nação e que deixou também bem clara a ideia de que há uma emigração boa e outra má, dependendo de quem governa. O debate político atingiu, pois, este elevado patamar.
A informação ali partilhada pelo cavalheiro foi tão extraordinária que me ficou na memória até à passada semana, quando um Governo em funções há 8 anos descobriu que o país tem jovens que saem do país, escolhendo outros onde se vive melhor e contrariando, ao mesmo tempo, a ideia difundida pelo próprio Governo, para quem o país é o paraíso na Terra.
É certo que os números da emigração se têm reduzido desde 2014, depois de terem crescido consistentemente entre 2004 e 2013, mas continuam a revelar uma sangria brutal: o país começa a revelar-se um exportador de quadros qualificados e um importador de quadros não qualificados.
O Partido Socialista parece assim ter descoberto na passada semana que, não querendo que os jovens emigrem, eles parecem indiferentes aos seus apelos e boas intenções e continuam a querer ir fazer a sua vida para outro lado. Muitos deles, curiosamente, fazem-no na direcção de países neoliberais, paraísos fiscais e outros infernos semelhantes, dos quais nós só queremos distância – o que é também um dado fascinante: nós abominamos as políticas públicas seguidas por países para onde portugueses qualificados emigram, o que talvez explique imensa coisa. Não valerá aqui a pena esmiuçar as medidas anunciadas. Entre as razoáveis, as boas e as absolutamente ridículas, o Primeiro-ministro anunciou, no fundo, um cabaz de brindes irrelevantes para quem ainda ambiciona ter uma vida melhor.
Mais curioso é observar como, subitamente, ressurgiu no espaço público um debate sobre a emigração – sem que se fale da eternização de salários baixos, de impostos altos, de serviços públicos degradados ou da fraca mobilidade territorial. Será porque esta nova geração, que emigra menos do que a anterior, se começa a fazer ouvir?
Sebastião Bugalho escrevia no Expresso do passado sábado que o país está a exportar o futuro. Tem razão. Mas não é de agora, como se sabe. A minha geração (nasci em 1985), criada na singularidade da década de 90, chegou ao mercado de trabalho mais ou menos a tempo da crise de 2008 e da bancarrota de 2011. Teve o seu apogeu cívico com a manifestação da “geração à rasca”, mas rapidamente se calou e compreendeu que tinha de se fazer à vida. Foi essa geração que emigrou em grande escala ou que, ficando, se dedicou quase inteiramente à sua vida profissional; muitas vezes, a viver com a ajuda dos pais, ou seja, da mesma geração que estava ocupada a preservar os “direitos adquiridos” para si, em detrimento do futuro. A geração de 80, que é a minha, tendo estudos superiores e reminiscências de uma infância que anunciava a abundância, verificou, à saída da universidade, que o país não tinha, afinal, um lugar decente e oportunidades suficientes para si.
Era, ao mesmo tempo, a primeira geração formada sob o mantra da especialização e das ciências sem ligação humanística, mais vocacionada para o estrito cumprimento de uma função do que para conjugar a sua vida profissional com a participação no espaço público. Sim, talvez toda esta ordem de factores a tenha conduzido a um facto que me parece inegável: não tem, salvo uma ou outra excepção que confirma a regra, voz pública. É a geração sem efectiva representação da sua diversidade, a que não produz intelectuais públicos, como escreveu Henrique Raposo, como as gerações que a precederam (embora vá produzindo políticos emanados de aparelhos partidários, o que seria muito interessante de analisar noutra oportunidade). Esse espaço será, se o for, recuperado pela geração seguinte, já nascida nos anos 90, e com uma infância já vivida integralmente em crise (espero, aliás, que façam melhor do que nós nesse sentido).
O presidente da República, um cidadão idoso num país de velhos, já veio acalmar as almas mais excitadas com o futuro, afirmando que o país não são só jovens. Bem sabemos. Em democracia, o país é de todos, claro. Mas também não há democracia sem futuro. O futuro é, aliás, a essência da democracia. Talvez esse seja o ponto essencial a discutir por aqui: mais do que a resolução dos problemas do quotidiano do eleitor, que país se quer construir para o futuro?
O PSD avançou com a ideia do voto aos 16 anos. O PS discorda, mandou dizer que se trata de uma modernice dos social-democratas. Mas esse é, na verdade, um dos grandes debates que vale a pena ter, ao lado da demografia e da produtividade do país: como é que se coloca o futuro no centro das políticas públicas de um país que parece já não ter futuro algum? A ideia do voto aos 16 anos é discutível, naturalmente, mas é importante para que esse debate se faça. O meu contributo, não sendo original, é este: por que razão não se pode atribuir direito de voto aos cidadãos menores, dos 0 aos 18 anos, exercido pelo seu encarregado de educação?