As frases feitas nunca foram as minhas preferidas e as generalizações, por criarem regras sem terem em conta o caso concreto, considero-as perigosas. Não concordo com afirmações como “eu não acredito nos políticos”. Na política, como em todas as profissões, existem pessoas bem-intencionadas e pessoas mal-intencionadas, pessoas honestas e pessoas menos honestas. No entanto, acontecimentos recentes relacionados com a política e justiça portuguesas fazem-me compreender um pouco melhor este tipo de afirmações.

A concepção moderna de estado ocidental assenta no princípio da separação de poderes, sendo essencial, para esse modelo de estado, o exercício de um poder judicial independente que possa funcionar como contrapeso aos outros poderes, sobretudo ao poder executivo.

Nos últimos anos, em particular durante o mandato de Joana Marques Vidal enquanto Procuradora Geral da República, a justiça nacional vinha a dar fundados motivos de esperança aos portugueses, que cada vez atribuíam mais credibilidade e depositavam maior confiança no sistema judicial, e, dessa forma, em toda a democracia portuguesa. Ao verem um antigo primeiro-ministro, alguns dos principais actores do poder financeiro e um dos maiores clubes desportivos nacionais serem acusados pelo Ministério Público, os cidadãos começaram a crer que o poder judicial podia efectivamente funcionar como garante da democracia, exercendo um controlo efectivo sobre outros poderes.

A constituição permitia-o, o contexto político e judicial sugeriam-no, a oposição, a imprensa e a sociedade civil reclamaram-no. Contudo, o Governo e o Presidente da República ignoraram por completo estas recomendações, ao não reconduzirem Joana Marques Vidal enquanto Procuradora Geral da República Portuguesa.

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O desapontamento e desconfiança da população relativamente à independência da justiça aumentou ainda mais quando ouvimos o juiz Carlos Alexandre levantar dúvidas sobre o sorteio que o afastou de ser responsável pela fase de instrução da “Operação Marquês”, na qual é arguido José Sócrates. Acontece que a gestão dos sistemas informáticos nos quais se realizam os sorteios de juízes está sob a tutela do Governo, ao invés de ser responsabilidade do Conselho Superior da Magistratura, como seria desejável. Importa ainda notar que não são claros os critérios que influenciam os sorteios. A tudo isto, acresce ainda o facto de inúmeros membros do Governo serem comparsas de José Sócrates, tendo feito parte de governos liderados pelo agora arguido.

Quero acreditar que estes acontecimentos não tenham sido influenciados por motivações que desconhecemos e que não terão qualquer tipo de implicação no desfecho dos referidos processos judiciais. Porém, a oportunidade de os políticos afirmarem a retidão das suas intenções, recuperarem a imagem da classe a que pertencem e reforçarem a confiança da população na política e no sistema democrático foi desperdiçada sem grandes inquietações. Diz-se que à mulher de César não basta ser, é preciso parecer. Neste caso, podemos não conhecer na totalidade as motivações do Governo, mas temos a certeza que não se preocupou com o que estas poderiam parecer.

Depois, ouvimos dizer que ninguém acredita nos políticos.

Advogado e mestrando na London School of Economics and Political Science