Chega o mês de março e, como todos os anos, temos no dia 8, o Dia Internacional da Mulher, declarado como tal pelas Nações Unidas, em 1975.
Há não muito tempo, eu nem fazia ideia do que este dia realmente representava e, como tantas pessoas, apenas reproduzia os discursos de “feliz dia da mulher”, com mensagens de amor e flores, muitos símbolos cor-de-rosa e presentes estereotipados relacionados com “ser mulher”. Achava tudo lindo.
Eu nunca aprendi durante o período escolar – apesar de ter estado 14 anos na escola, sem contar a Universidade, sobre a História das mulheres. Tudo o que me foi ensinado nos livros sobre História e História do Brasil foi a partir de uma perspetiva etnocêntrica e masculina. Isto não é espanto, infelizmente, e soma-se ao facto de ter sido educada num país em que, todos os dias, aproximadamente 12 mulheres são assassinadas e 135, violadas.
Como foi então que comecei a compreender o real significado do Dia Internacional da Mulher?
Sem dúvidas, foi, primeiro, por começar a entender melhor o movimento feminista e rodear-me de mulheres inspiradoras. Porém, acredito que, ainda mais importante neste processo, foi – e é -, a busca pelo autoconhecimento: (re)conhecer-me como mulher e retomar o meu poder sobre mim mesma.
Curiosamente, a prática regular de yoga tem sido uma ferramenta fundamental para isto. Através da exploração de corpo-mente, com práticas meditativas, físicas e a compreensão desta filosofia, que é muito centrada no autoconhecimento e numa relação de harmonia com o todo, pude sentir-me mais empoderada e, portanto, mais confiante para defender os meus direitos enquanto mulher e cidadã.
Vi a mesma coisa ocorrendo com os meus alunos – que são, na sua grande maioria, mulheres – e com colegas de profissão próximos. Sentir-se bem consigo mesmo, parece ser, afinal, um recurso muito importante para atuar de forma positiva na sociedade.
Pessoalmente, eu não separo yoga do contexto social/político/económico como se fosse “somente” uma prática contemplativa. Pelo contrário, acredito ser uma prática que tem muito a oferecer quando inserida no desenvolvimento social, nomeadamente, para o desenvolvimento de pessoas mais conscientes, de si e do mundo que as rodeia. Uma prática que tem enorme potencial educativo por ser não competitiva, não-sexista e promover autonomia, auto-regulação, aceitação, aprimoramento de competências físicas e emocionais, quebra de paradigmas normativos sobre o corpo e relacionamento positivo entre todos.
Acredito que este tipo de prática deveria ser parte do currículo escolar de crianças e adolescentes, sendo tão importante como disciplinas funcionais como a matemática, geografia e idiomas. A Educação Física, apesar do seu enorme potencial inclusivo, ainda é muito centrada no corpo como instrumento para o exercício e, pelo seu caráter competitivo, por vezes torna-se um espaço de discriminação dos “menos aptos” e também divide homens e mulheres nas suas categorias.
Recentemente num artigo científico sobre um estudo experimental qualitativo, 34 crianças de 3 a 5 anos receberam uma intervenção de yoga, 1 vez por semana, durante 5 meses, em escolas no Mississipi (Estados Unidos). O estudo tinha como objetivo avaliar a perceção das próprias crianças sobre as suas emoções, auto-regulação, criatividade e cognição, através de entrevistas que permitiam às crianças manifestarem-se de forma livre sobre a sua experiência. Apesar de tão novas, ficou evidente a clareza com a qual as crianças conseguiam descrever a sua experiência, falar sobre si mesmas, sobre as posturas corporais, sensações e emoções durante e após as aulas e o quanto foi possível promover benefícios físicos, cognitivos e emocionais simultaneamente.
O ensino de yoga nas escolas tem crescido ao longo dos anos e muitos estudos já demonstram os seus benefícios não só para a criatividade e autoconsciência dos alunos, mas também para desenvolver compaixão, empatia e consciência coletiva: valores indispensáveis para uma formação cidadã.
Acredito que não é possível promover uma educação de qualidade que não estimule o autoconhecimento e fomente a igualdade de género. Empoderar meninas e mulheres – e meninos e homens! — para se relacionarem de forma positiva com os seus corpos, entre si e compreender e aceitar as suas emoções é um ato revolucionário, que pode gerar grande impacto na forma como as próximas gerações estruturam uma sociedade mais igualitária – e cabe a nós liderar este movimento.
No ano passado, ainda no Brasil, comecei o Dia Internacional da Mulher facilitando uma aula de yoga para mulheres. Este ano, participei da marcha feminista em Lisboa, no domingo passado. No meio de cartazes expressando o desejo por igualdade, no meio de mulheres, homens, inúmeras famílias com crianças e gritos de protesto, senti-me acolhida. Acolhida por mim mesma, no meu corpo, acolhida por essa causa, acolhida por todas as pessoas ali presentes e com plena consciência do meu lugar no mundo.
Afinal, yoga e feminismo ensinam-me, todos os dias, a ser uma pessoa melhor.
Maria Fernanda Santos Souza é brasileira, mestranda em Educação, Desporto e Literacia Física e atua como instrutora de Yoga. Foi co-fundadora dos Global Shapers em São Luís, no Brasil, e trabalhou na ONG global AIESEC por 4 anos. Em 2016, foi selecionada para o programa de liderança do governo dos Estados Unidos, Young Leaders of the Americas Initiative. Após alguns anos como profissional de recursos humanos em multinacionais e startups, e de empreender um negócio social no Panamá, decidiu realizar uma viagem de autoconhecimento pelo mundo, por nove meses. Tornou-se, então, instrutora de yoga e hoje busca recomeçar uma carreira, na área da educação. Já viveu em 3 países e considera-se uma cidadã global.
Nota Global Shapers – O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.