No dia 20 de junho foi celebrado o Dia Mundial do Refugiado e que devia servir para nos fazer refletir sobre quem, por força da guerra ou da perseguição, se vê forçado a fugir do seu país sem poder voltar. E sobre como estas pessoas em fuga são recebidas. Infelizmente, a resposta é que são cada vez mais mal recebidas. Fora e dentro da Europa.
O número de deslocados forçados no mundo aumenta e este aumento não é acompanhada pelo necessário aumento da solidariedade internacional. Os Estados “fecham”, cada vez mais, as portas ao acolhimento e têm vindo a adotar medidas que restringem o acesso ao direito de asilo – colidindo com as regras de Direito Internacional.
Para que se perceba a dimensão do que está em causa, há mais de 82.4 milhões de deslocados forçados em todo o mundo e mais de 26.4 milhões de refugiados, em resultado da guerra, da violência, da perseguição e da violação de Direitos Humanos. É deles que falamos neste dia. E esta realidade não se deve confundir com outras situações, igualmente dignas de atenção, mas distintas.
Num ano marcado pela pandemia da COVID-19, onde se registou uma descida acentuada do movimento internacional de pessoas e onde muitos Estados fecharam as suas fronteiras à entrada de não cidadãos, 2020 fica igualmente marcado pelo aumento daqueles que, por força da guerra e da violência, se viram obrigados a fugir do seu país de origem.
Todos os anos, nesta data, o Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas publica um relatório sobre a situação internacional dos deslocados forçados. De acordo com este relatório, existem 26.4 milhões de refugiados no mundo, um aumento de 4% em relação ao ano passado e o dobro de há uma década atrás. Para todos eles, o mundo não está cada vez mais seguro. Muito pelo contrário.
A Turquia continua a ser o país que mais refugiados acolhe no seu território, com 3.7 milhões, seguido pela Colômbia, com 1.7 milhões. Por comparação com a população residente, no Líbano, 1 em cada 8 é refugiado; e na Jordânia, 1 em cada 15. A Síria, que conta já com 10 anos de guerra, continua a ser o país que mais contribui para este número com 6.7 milhões de refugiados, seguido da Venezuela com 4.0 milhões. Estes números são o resultado, na vida de cada um destes homens, mulheres e crianças, das notícias que vemos atravessar os telejornais.
As Nações Unidas estimam que, de 2018 a 2020, 1 milhão de crianças tenham nascido já refugiadas. Por outro lado, estimam que 41% ou 10.1 milhões das pessoas que atravessaram fronteiras são crianças.
Olhemos agora para um universo mais pequeno e tenhamos em conta a situação vivida na Europa.
De acordo com dados do Gabinete Europeu de Asilo, em março de 2021 foram apresentados 40.200 pedidos de proteção internacional. Acompanhando a abertura dos países depois de períodos de confinamento e, em consequência, uma maior liberdade de circulação, registou-se um aumento de 17% de pedidos de asilo – maioritariamente, da Síria, Afeganistão, Iraque, Somália, mas igualmente de Marrocos ou Costa do Marfim.
Destes 40.200 pedidos de proteção internacional, 3% são de Menores Não Acompanhados, sendo que dois em cada cinco são afegãos.
Em março de 2021 foi concedido asilo a 27% das solicitações, de acordo com a Regulamentação Europeia. Destas, a três em cada cinco foi concedido o estatuto de refugiado, enquanto que aos restantes foi-lhes atribuída proteção subsidiária, de acordo com a legislação europeia.
Por outro lado e de acordo com dados da FRONTEX, o número de travessias ilegais nas fronteiras externas da Europa caíram 7%, nos três primeiros meses do ano. No entanto, no mês de março registaram-se 5.750 travessias ilegais, mais 4% do que o registado no mesmo mês do ano anterior.
Quer seja a fonte internacional, Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas, ou as fontes europeias, as suas agências de asilo e fronteiras, fica claro que apesar das restrições deste ano, em resultado da COVID-19, o número de pessoas que se viram obrigadas a fugir aumentou. No entanto, apesar de ter aumentado o número de deslocados forçados, não aumentou a solidariedade internacional, uma maior abertura dos Estados à população refugiada, nem um maior respeito e cumprimento pelo Direito Internacional. Pelo contrário, infelizmente assistimos ao movimento inverso.
Do lado do mandato das Nações Unidas, 2020 registou o mais baixo número de refugiados reinstalados (o processo gerido pelas Nações Unidas que permite a um refugiado ser colocado em segurança noutro país) em duas décadas. Apenas 34.400 pessoas foram reinstaladas e em 21 países, em resultado da indisponibilidade dos Estados em acolherem (diminuição da sua quota de acolhimento), assim como em resultado da impossibilidade de viajar em consequência da COVID-19. De qualquer das formas, em 2020 o fosso entre as necessidade de reinstalação de pessoas refugiadas e a disponibilidade dos Estados para acolher continuou a aumentar.
Não foram apenas as Nações Unidas que sentiram dificuldades no cumprimento do seu mandato. Do lado europeu as respostas às necessidade de proteção internacional têm sido, cada vez mais, postas em causa.
Na Dinamarca, quer-se reenviar refugiados sírios de volta para a Síria por considerar Damasco uma zona segura. Uma decisão que vai contra a realidade dos factos e contra relatórios das Nações Unidas e regras de Direito Internacional, nomeadamente o Princípio do Non-Refoulment. Reino Unido e Suécia chegaram a conclusões semelhantes quanto às condições de vida em Damasco.
Na Alemanha, terminou no ano passado a proibição geral de deportação de sírios para o seu território de origem e foram suspensos os pedidos de reunificação familiar.
A Grécia declarou a Turquia um País Terceiro Seguro para onde reenviar refugiados do Afeganistão, do Bangladesch, do Paquistão, da Síria e da Somália. E, para agravar, há sucessivos relatos de push backs de refugiados realizado pela polícia marítima grega, de volta para a costa turca, em barcos sem água, comida, ou comunicações e com menores e grávidas a bordo.
Itália e Malta continuam a reenviar quem chega às suas costas para centros de detenção na Líbia, onde são violados muitos dos direitos humanos destas pessoas. Detidas em centros sem condições e dignidade e sujeitas a todo o tipo de violações.
Por fim, o caso da União Europeia como um todo. Desde 2015, ano da anunciada Crise dos Refugiados, ainda não foi capaz de encontrar soluções capazes de cumprirem com as regras de Direito Europeu, assente nos Tratados, e de Direito Internacional, assente no mandato das Nações Unidas e nas Convenções Internacionais, como seja a Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto de Refugiado de 1951, de que os Estados europeus são seus signatários.
Nem o Novo Pacto sobre Migração e Asilo, apresentado em setembro do ano passado, foi capaz de, até agora, produzir quaisquer resultados. Nomeadamente aliviar a catástrofe humanitária vivida em território grego, onde permanecem, em campos de refugiados, mais de 56.000 requerentes de asilo.
Num momento em que aumenta o número de pessoas forçadas a abandonar os seus países em consequência da guerra, violência ou perseguição, a tendência de muitos países é de fecharem as suas fronteiras à solidariedade internacional, à compaixão e à empatia. Tudo isto é gerador da falta de humanidade com que são tratadas os refugiados e todos os requerentes de asilo.
Quando a solidariedade internacional e o cumprimento do Direito Internacional deveriam ser a regra assistimos ao seu contrário, a muitos Estados a “fugirem” ao cumprimento das regras a que eles próprios se obrigaram.
Este não pode ser o caminho, esta não pode ser a solução.