1 Há uma pergunta que deve ter estacionado na cabeça de grande parte do país. Uma pergunta nele pousada como uma dessas irritantíssimas moscas outonais que não nos largam a casa ou o corpo: como olha António Costa os portugueses que é suposto governar? Que acha deles? Nada? Parvos? Imbecis? É-lhe indiferente desde que votem nele? Olha-os apenas como simples instrumento do voto no PS, isto é, nele mesmo? De tão destratados que são pelo poder, talvez seja isso, indiferença: já votaram. Não me lembro é de tão gelado desrespeito e tão gélida indiferença face aos contribuintes e aos outros, a todos, pobres, ricos, remediados. Detrás do biombo dos 125 euros (que aterram desordenadamente em bolsos necessitados e nada-necessitados) não há respeito, ou sombra de consideração.

A questão não é de somenos. A estranheza é maior dada a actualidade folhetinesca de alguns governantes e autarcas que nos últimos tempos somaram casos feios: mentiras-abusos de dinheiros-mau uso do poder-subterfúgios-golpezinhos. E no entanto… o país não guardou da parte do poder executivo nenhum sinal fosse do que fosse: constrangimento, preocupação, embaraço, aflição. Humildade. Entrincheirados na lei, nunca lhes ocorre a ética, primeiro indiscutível mandamento de um governante para com os governados. Como não praticam a indispensabilidade do mandamento, a falta de ética do Executivo espraia-se por gestos e verbos, desliza sobre atitudes e comportamentos: não por acaso, a par do abusivo mau comportamento de alguns membros do governo e munícipes da primeira ou da segunda divisão (tanto faz), observe-se o indignante nível a que chegou a linguagem do poder político da maioria absoluta.

No parlamento ou fora dele, tudo serve. Basta haver um microfone e repórteres pouco curiosos. Não me lembro de um linguarejar tão de vão de escada, insultos manhosos, falta de decoro cívico, ausência de responsabilidade política. Haverá pior exemplo publico de mau comportamento?

Desnorteio? Insegurança? Sondagens periclitantes? Medo?

2 Mas há um cansaço. Uma fartura. Bilateral, aliás, tudo o indica. A interrogação que me faço não será por isso talvez despropositada: quem poderá estar mais cansado da prática pouquíssimo democrática do PS e da sua infeliz governação: quem recebe os seus efeitos em cheio no bolso e na vida, acantonado na plateia do país, ou… quem protagoniza a política, num palco cada vez mais sombrio, representando uma peça que não se sabe que público serve? Quem está mais capturado pela maioria absoluta: quem a ganhou ou quem a deu ao actual poder? Quem está menos feliz, o poder ou o povo? Mais farto?

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É que mesmo que António Costa tenha mais jogo de cintura que “sagesse” e determinação governamental, que vai o PS fazer para resistir a si próprio, mais quase 4 anos? Como resistirá esse mesmo implacável António Costa que nunca porém provou tempestades parecidas com as que chegarão, trazidas pelos ventos da guerra? Não sei como fará. Sei que o patamar de desnorte, desrespeito e acinte onde o PS e o Governo se instalaram, em nada coincide com o que esses tempos e ventos exigirão ao país: ter quem o pensasse e soubesse como agir em tempo de incerteza, face ao estado de tudo. De Portugal. Da Europa. Do mundo como ele passou a estar. E a ser.

3 Por falar em guerra. A relação entre os nossos políticos e a guerra é um mistério. Ás vezes – muitas vezes – é como se ela ocorresse na lua. Afiançam-me que há até alguns documentos oficiais onde é sugerido trocar a palavra “guerra” por “conflito.”. Uma amabilidade perigosa. E de novo indignante: permite a duvida e pode convocar a suspeita.

A guerra “passa” nos écrans e na media (e agradeço-lhe por isso!). Não chega. No resto e que saiba, se ouça ou se veja – políticos, governantes, partidos, poder e oposições, deputados, elites (?) sociedade civil, associações, organizadores de congressos, iniciativas, debates – o “conflito” é pouco evocado. O que é falar da guerra, perguntarão? É abordá-la para além do aumento do custo de vida e da aflição dos combustíveis. É transferi-la dos écrans para o novo xadrez geo-estratégico para onde a Rússia catapultou o mundo de hoje e ditará como ele será amanhã. Atender á guerra seria ouvir mais quem tem responsabilidades nacionais falar-nos de coisas tão absolutamente decisivas, como por exemplo o futuro. Como poderá ser o futuro do país para além das “contas certas” que se louvam… (“mais vale tarde”, etc.) a braços com uma guerra no continente onde moramos? A nossa geografia exigiria compromisso. Portugal reclamaria estarmos menos desprevenidos. A pertença há 900 anos ao berço ocidental deste canto europeu, reclamaria mais consideração e conscencialização e menos “faz de conta” É isso: há uma sensação embaraçante de faz de conta que estamos em guerra mas tudo fazemos para não estar, a começar por iludi-la. E não devia ser assim — não podia. Pessimismo? Pode ser da segunda feira chuvosa em que escrevo entre as árvores do oeste. Mas mesmo assim.

4 Porque seremos tão pouco exigentes com… tudo, sem nos indignarmos com… nada?

PS: O júbilo é planetário: exit Bolsonaro. Mas nem o bolsonarismo desapareceu nem a vitória tornou Lula menos perigoso.