Talvez seja mesmo mau feitio da minha parte pois não me canso de, todos os anos, lançar mais um artigo sobre as notas de entrada nas universidades. Mas porquê?
Porque cada um de nós não é um número e uma média. Peço desculpa, mas não é.
Enquanto tivermos este sistema de entrada nas universidades estamos a recusar ter pessoas mais completas e a fechar os olhos ao ser humano completo que existe em cada um de nós.
O ponto é que a cada ano que passa acho mais e mais que deixamos de fora pessoas que mereciam estar nas universidades. Definitivamente, mereciam.
Com um exame de Matemática do 12º ano com um peso descomunal, e tudo avaliado à conta de notas do percurso escolar, contrariamos ou esquecemos milhares de outras pequenas grandes características de cada um dos admitidos e dos não admitidos. E reduzimos pessoas a uma média. Uns a quem damos hipóteses. Outros a quem muito provavelmente cortamos aspirações futuras e não deixamos prosseguir.
É minha convicção de que o sistema de acesso ao ensino superior está profundamente errado.
Certo, que a primeira característica do World Economic Forum (WEF) para 2022 no mercado de trabalho será o Analytical Thinking & Innovation. Se podemos dizer que a parte do pensamento analítico fica a coberto por este sistema de entrada na universidade, nomeadamente para os alunos que seguem algum curso com Matemática, a parte de inovação pode ficar, ou não, totalmente de fora.
A segunda característica do WEF para 2022 é o Active Learning and Learning Strategies. Concedo que, aqui, o processo de admissão pode estar parcialmente contemplado.
Já quando chegamos à terceira característica, criatividade, originalidade e iniciativa, podemos ter a certeza de que estamos a falhar. Já para não falar em características como a capacidade de liderança ou a inteligência emocional, também na lista do World Economic Forum.
Continuamos a fazer o escrutínio pelo lado da nossa capacidade analítica e apenas pela nota de Matemática de 12º ano, ou quase. E essa nota em Matemática torna-se um proxy para avaliar o que sou, como sou, como me comporto, qual a minha capacidade para me relacionar com outros, socializar, capacidade para inovar e ser criativo, para liderar e, bem assim, qual o meu nível de inteligência relacional ou emocional. Mais, nada se percebe sobre a minha maturidade. Nada se percebe sobre a minha capacidade de aglutinar vontades, de gerir projetos, de levar a bom porto um barco com muitas pessoas a bordo. Sobre isto, nada.
E esse “nada” não é coincidente com o que o mercado de trabalho me vai exigir mais à frente.
Há, pois, uma baixíssima sintonia entre o que se pede à entrada da universidade e o que se pretende três ou cinco anos depois, após a minha licenciatura ou mestrado. E é pena.
Porque a par da nota de Matemática e Física bem poderíamos ser capazes de, nas universidades, fazer entrevistas, lançar alguns desafios mais grupais, ser capazes de explicar o que queremos de cada qual e compormos as turmas com diversidade, com complementaridade, com inovadores, com criativos, com pessoas capazes de desenvolverem pensamento lateral.
Depois dizemos que a nossa competitividade é baixa.
Queixamo-nos de que não temos marcas.
Dizemos que Portugal compete por baixos salários e baixos preços.
Mas a quem pedimos, à entrada, para pensar valor, para criar riqueza, para ser diferente, para ser grupal e integrador, para fazer uma apresentação a uma turma cheia ou para responder a uma interpelação em sistema de prova oral? A ninguém.
E depois queremos mudar o perfil das coisas e achamos que as nossas pessoas, apesar de analiticamente boas, acabam por precisar de mais inovação, de mais originalidade, de mais liderança. E nunca nos perguntamos porque, ano após ano, as universidades não escolhem os seus. São servidas pelas melhores médias. São estas as pessoas mais completas? Algumas serão. Outras não. São estas as pessoas mais conformes com o mercado de trabalho? Umas serão, outras não. Quais são as pessoas mais adaptáveis? Quais as mais capazes de conviver com a incerteza, com o erro, com a mudança?
Continuamos na mesma. E eu todos os anos lanço um texto desta natureza. À espera de que um dia alguém se junte e tenha o poder que eu não tenho para fazer alguma coisa.