Devo dizer que nunca tive muita facilidade com essa coisa de ter que ser adulta. Acho que simplesmente não tenho vocação, assim como não o tenho para o basquete e para a culinária. Mas devo dizer que era mais fácil ser adulta enquanto eu vivia no Brasil.

Não, não estou falando mal de Portugal- prefiro deixar claro- afinal, não me canso de dizer que amo essa terra. Até porque eu sigo sendo a mesma adulta falha que eu já era no Brasil. Não consegui melhorar muito. Mas aqui sinto, de fato, que estou destoando ainda mais do padrão.

Começo pela descoberta que fiz recentemente e que quase me provocou um desmaio: adultos portugueses não colecionam os cromos da caderneta do Mundial de Futebol (traduzindo para o português do Brasil: adultos portugueses não colecionam as figurinhas do álbum da Copa do Mundo).

Todos os amigos portugueses com quem comento isso ficam incrédulos quando eu digo que milhares de adultos brasileiros colecionam os cromos, felizes da vida, em todo ano de Mundial. Advogados, jornalistas, médicos, professores universitários, homens e mulheres. Há duas semanas a febre dos cromos recomeçou no Brasil e os ambientes de trabalho são tomados pelas cadernetas. Trata-se de uma infantilidade? Talvez. Mas será que não merecemos uma trégua dessa de vez em quando?

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A vida, de um modo geral, é levada muito mais a sério pelos portugueses do que pelos brasileiros. Tudo é mais grave, tudo é mais severo. E, por aqui, parece que quando abandonamos a infância temos que abandonar tudo o que se relacionava com ela. E essa não é uma despedida fácil. Talvez nem seja uma despedida justa.

Os assuntos que dominam uma mesa de jantar de adultos portugueses são: política, economia, vinho, filhos e trabalho. No último jantar que tive com amigos brasileiros em São Paulo (amigos esses que são advogados, promotores, empresários e gestores), debatíamos com gosto qual era o melhor filme da Disney e qual era o melhor filme da Pixar. Foi um grande embate de adultos embriagados. A maioria voltou pelo Rei Leão e por Toy Story, embora eu discorde.

Por lá, jogamos mais bola quando adultos. Dançamos mais em casa. Bebemos suco de fruta tanto quanto as crianças- intercalando com o vinho e a cerveja, graças a Deus. Fazemos piadas com a política, por mais séria que esteja a situação. Não abandonamos a infância de uma forma tão drástica. Talvez por isso consigamos nos manter mais alegres.

Mobilizei boa parte dos adultos do prédio onde tenho escritório no centro de Lisboa para que colecionassem os cromos da caderneta do mundial. Preciso ter com quem trocar as repetidas- e creio que não fica muito bem eu ir fazer isso na escola da minha enteada. Acho que vai ser bom para todo mundo. Merecemos que essa vida adulta não pese tanto sobre os nossos ombros.

Se algum outro adulto imaturo quiser me acompanhar nessa atitude leviana, adorarei trocar os cromos. Já tenho o Messi repetido. E o André Silva também. E confesso que também tenho uma vontade imensa de me permitir continuar sendo ser uma adulta não tão adulta quanto o mundo gostaria que eu fosse.