A história humana é a história das migrações, não apenas no inicio das primeiras civilizações, mas desde os primeiros grupos de caçadores e colectores a deslocarem-se para novas realidades geográficas. Existem muitas razões para migrar de uma localização geográfica para outra, seja pela procura de novos recursos, seja para fugir de alguma ameaça, ou simplesmente para procurar novas oportunidades. As razões de hoje são basicamente as mesmas, apenas com diferentes personagens e contextos. É também natural que a deslocação de um grupo de pessoas de um ponto para o outro possa causar conflito com os grupos existentes no destino. As razões são variadas, mas este é um comportamento que não é exclusivo dos humanos. O humano é territorial e avesso à diferença, tal como muitos outros animais.
Portugal é um dos países mais antigos do mundo e um bom exemplo de como diversa é a história das migrações. Somos uma mescla de dezenas de povos, de 3 continentes diferentes. Celtas, iberos, suevos, visigodos, fenícios, muçulmanos, vikings, judeus, africanos, entre muitos outros povos, que procuraram uma nova vida nos territórios da Península Ibérica. Como é conhecimento geral, nem todas estas migrações foram pacificas. Muitas causaram conflitos e guerras sangrentas. Não é necessário entrar em detalhes históricos sobre estes factos, mas é importante ter noção que a história da humanidade, e principalmente, a história de países que são muito antigos como é Portugal, muitas das vezes é a história de um cruzamento de imensas civilizações, povos e culturas. No caso de Portugal, enquanto potência exploradora e colonizadora, esse factor ainda foi mais evidente, com a passagem de povos de locais longínquos, de culturas muito diferentes, que chegavam a Portugal, a metrópole de um império consideravelmente extenso.
As mudanças nos diferentes tecidos sociais dos países muitas das vezes são difíceis de digerir pelos povos nativos, especialmente se forem mudanças repentinas. Existem muitos casos na história, e são esses casos que é necessário analisar para perceber como não cometer os mesmos erros. Existem sempre argumentos tanto para o controlo ou impedimento da imigração, tanto para o seu aumento. O que está a acontecer em Portugal neste momento é apenas mais um episódio de um país que sempre foi um hotspot, não só de imigração, como de emigração. Ao longo dos últimos 200 anos são vários os movimentos de chegadas e saídas. É certo que a percentagem de estrangeiros a viver em Portugal é uma das mais altas de sempre, mas esse é um factor que é causado pela evolução dos transportes e também a maior capacidade financeira das massas migrantes, algo muito necessário para percorrer longas distâncias. Portugal não é o único país com uma percentagem crescente de estrangeiros, sendo que até os países mais conservadores em questões migratórias estão com um número crescente de estrangeiros a residir (o mesmo acontece para outros movimentos migratórios, como o turismo, pelas mesmas razões). Para Portugal existe o argumento económico, que é sempre debatível. Mas também tem de existir uma estratégia e um equilíbrio na recepção destes imigrantes, especialmente se forem de matrizes culturais completamente diferentes. Esta parece-me ser a política pública mais responsável, principalmente com o crescimento de movimentos populistas e xenófobos, um pouco por todo o mundo ocidental. É essencial ser realista e perceber a natureza humana e a forma de funcionamento das sociedades, esta é a única maneira de evitar potênciais conflitos entre imigrantes e locais.
A percentagem de estrangeiros a viver em Portugal nunca foi tão elevada na sua história como é atualmente (cerca de 8%, e em crescimento). Apesar de um ponto de encontro entre muitos povos e culturas, Portugal está longe de ser o país com mais imigrantes, mesmo nos ultimos 100 anos. Existem muitos outros exemplos, até países que têm quase 50% de imigrantes. Alguns países do Golfo Pérsico têm quase 90% de imigrantes. Portugal deve aproveitar a força adicional da imigração, mas também pensar estratégicamente em quais imigrantes deve aceitar e em que condições, tendo em conta quais os objetivos do país. Não existe um senso comum em querer transformar a economia portuguesa numa economia de alto valor enquanto existe um continuo fluxo de imigração de baixas qualificações. É portanto necessário perceber que tipo de pessoas queremos a trabalhar no país tendo em conta os interesses dos portugueses. Ao mesmo tempo, há que considerar os valores e questões humanitárias, como argumento para receber imigrantes de países em dificuldades, como o caso de crises económicas, guerras ou outras tragédias (flagelo dos refugiados). É importante não esquecer a matriz humanista que caracteriza Portugal e a União Europeia, e misturar com a tal capacidade de filtrar e pensar estratégicamente no funcionamento da sociedade que pretendemos (aqui também será importante considerar as questões de segurança nacional e terrorismo).
Por último, há um factor importante a considerar, que é a numerosa comunidade portuguesa emigrante, em todos os continentes. Este é um factor de senso comum, onde devemos aplicar a norma de tratar outros como queremos ser tratados.
Infelizmente, à medida que as condições económicas vão piorando em Portugal, a tendência será a procura por bodes expiatórios fáceis, sendo que os imigrantes sempre foram alvos muito fáceis. O mesmo está a acontecer na generalidade da Europa e América do Norte. Cabe procurar restaurar uma economia justa e em pleno crescimento, ao mesmo tempo que integramos os imigrantes de acordo com o que são os diferentes objetivos das nações. Não é fácil, mas é um caminho melhor do que demonizar e desumanizar outras pessoas.